domingo, 27 de outubro de 2024

- SANTA CRUZ: DE CAPELA A FREGUESIA

 1. O estranho equívoco político-histórico

Aos 08 de fevereiro de 1870 foi apresentado na Assembleia Provincial de São Paulo, o Projeto Lei nº 69 elevando "a Capella de S. Pedro no municipio dos Lençoes á freguezia, com a invocação de São Pedro dos Campos-Novos." (Diário de São Paulo, 18/02/1870: 2).
A propositura trazia as assinaturas dos parlamentares José Alves dos Santos, Antonio da Silva Prado, Venâncio de Oliveira Ayres, Joaquim Leonel Ferreira e Francisco de Assis Pacheco Junior.
Inequivocamente tratava-se da elevação da Capela de São Pedro [São Pedro dos Campos Novos do Turvo] à condição de freguesia, numa tramitação ágil, e aos 23 de fevereiro de 1870 a Assembleia pedia a manifestação da Igreja "Remettendo-lhe o projecto" (Diário de São Paulo, 26/02/1870: 3), e o vigário de São Domingos, padre Andrea Barra, aos 03 de março do mesmo ano deu o parecer que:
"(...) a Capela de São Pedro não pode ser elevada a Freguezia porque seu pessoal, e a falta de Igreja não permittem essa elevação (...). Informo mais que neste lugar/São Pedro/ha uma Igreja de vinte poucos palmos, e não ha numero de almas sufficientes para Freguezia." (ALESP, EE 72.15: 8-9). 
O padre Barra, sem dúvidas, referia-se à localidade de São Pedro do Turvo, pois bem conhecia o sertão, porém a Igreja não considerou o seu posicionamento, para endossar a proposta político-administrativa de divisão territorial da vigararia, com melhores atenções ao sertão crescente (ALESP, EE72.15:9-10), e, no contexto, observou, apenas, a exigência de se construir uma igreja matriz.
Para São Domingos, como a primeira vigararia do Sertão Botucatu, e para o padre Andrea Barra, vigário titular e capelão, não interessava uma nova paróquia adiante da sua, diminuiria sua importância e rendimentos auferidos, além de abrir vaga para o seu desafeto, padre João Domingos Figueira fazendeiro em Santa Cruz do Rio Pardo. 
Sem exatamente conhecer onde o interesse em se levantar a freguesia, o padre deputado João Vicente Valladão firmou-se politicamente no entendimento de Barra e o parecer da Igreja, para fazer aprovada a emenda que a localidade "Não sera elevada a Freguezia sem q primeiro se tenha Igreja decente, que sirva de Matris, e os paramentos necessarios para as solenidades." (ALESP, EE 72.15: 4).
Projeto dessa natureza exigia a participação entre as instâncias oficiais competentes, sendo o Governo da Província oficiado pela Assembleia em data de 22 de fevereiro de 1870, todavia a crise instalada no Poder Executivo de São Paulo elegeria outras prioridades, e apenas aos 21 de fevereiro de 1871, pelo Ofício de nº 57 o governo mostrou-se favorável ao Projeto nº 69 e à construção de templo religioso que servisse de Matriz à localidade de São Pedro.
Não houve tempo. O ano de 1871 também foi politicamente tumultuado, com a Província passando por três presidentes, e o Projeto nº 69 não teve mais o respaldo nem a atenção dos deputados, e assim repassado para a legislatura seguinte, de 1872/1873.
O Brasil passava pela crise pós-guerra, também o Sertão Botucatu.
Na sessão legislativa provincial de 16 de fevereiro de 1872, sobre a proposta manifestou-se o deputado padre João Vicente Valladão: "este projecto é do ano de 1870, nenhum dos seus signatários está na casa; não forão reeleitos deputados." (Diário de São Paulo, 22/02/1872: 1).
O deputado Joaquim Lopes Chaves, num aparte concedido por Valladão, foi veemente que nenhum dos deputados eleitos, nem mesmo do 3º Distrito ao qual anexado São Pedro, conhecia o lugar, e por isto opinava pelo arquivamento do projeto:
"Entrando em 3ª discussão o projecto n 69, elevando a freguezia a capella de S. Pedro, o sr. [José Francisco de] Paula Eduardo tomando a palavra faz considerações para mostrar a conveniencia da elevação, não da capella S. Pedro, mas da de Santa Cruz do Rio Pardo, e neste sentido mandou á mesa uma emenda, que posta á votos com o projeto é approvada." -(Correio Paulistano, 01/03/1872: 1).
A emenda teve a seguinte redação: "Em vez de - S. Pedro - diga-se - Santa Cruz do Rio Pardo. - Paula Eduardo", e o autor também requereu a obteve dispensa do interstício a favor da emenda" (Diário de São Paulo, 22/03/1872: 1).
Outro deputado, Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, então rasurou o documento onde escrito 'São Pedro dos Campos Novos' e escreveu 'Santa Cruz do Rio Pardo' (ALESP, EE 72.15: 1 - imagem ao lado) e, à página 2 a confirmação dada: "Em vez de S. Pedro, ficando Santa Cruz do Rio Pardo." (ALESP, EE 72.15: 2).
O processo finalizado na Comissão de Redação não teve a correção devida quanto a localidade, e a Assembleia Legislativa Provincial decretou e o Governo da Província de São Paulo sancionou a Lei nº 71, de 20/04/1872, elevando a Capela São Pedro à Freguesia, sob a invocação de Santa Cruz do Rio Pardo.
A própria Igreja, pela vigararia capitular sediada em Botucatu, foi previamente comunicada que a Capela São Pedro, no município de Lençóis Paulista, seria elevada a Freguesia sob a denominação de Santa Cruz do Rio Pardo (Processo para elevação de Freguesia Canônica, 28/12/1872), e deu o aval e apresentou as medidas do templo de Santa Cruz e não aquele de São Pedro informado pelo padre Andrea Barra.
Aparentemente a Igreja se interessava pela descentralização da vigararia, não importando diretamente o lugar. Não perderia a oportunidade, e com o ato legal Santa Cruz do Rio Pardo tornou-se cabeça de paróquia e sede do 3º distrito do Termo de Lençóis Paulista, em detrimento a São Pedro do Turvo.
Nos considerandos apresentados se esgotam as possibilidades de Santa Cruz do Rio Pardo ter sido, um dia, a antiga Capela São Pedro.

2. A Lei Provincial de São Paulo nº 71, de 20 de abril de 1870
O Bacharel formado José Fernandes da Costa Pereira Junior, Presidente da Provincia de S. Paulo, etc., etc., etc.
Faço saber a todos os seus habitantes, que a Assembléa Legislativa Provincial decretou, e eu sanccionei, a seguinte Lei :
Art. 1.º - Fica elevada a Capella do S. Pedro no Municipio dos Lençóes a Freguezia, com a invocação de Santa Cruz do Rio Pardo.
§ unico. - O Governo fixara as divisas da Nova Freguezia.
Art. 2.° - Ficão revogadas as disposições em contrario.
- Mando, portanto, a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumprão e facão cumprir tão inteiramente como nella se contém.
O Secretario desta Provincia a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palacio do Governo de S. Paulo, aos vinte dias do mez de Abril do anno de 1872.
(L. S.)
José Fernandes da Costa Pereira Junior.
Carta de Lei pela qual V. Exc. manda executar o Decreto da Assembléa Legislativa Provincial, que houve por bem sanccionar, elevando a Capella de S.Pedro no Municipio dos Lençóes a Freguezia, com a invocação de Santa Cruz do Rio Pardo, como acima se declara.
Para V.Exc.vêr.
João Ildefonso de Brito a fez.
Publicada na Secretaria do Governo de S. Paulo, aos vinte dias do mez de Abril de 1872.
João Carlos da Silva Telles.

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