Os primeiros sertanejos, acompanhados das famílias não residiam nas fazendas, optando por bairros situados ou levantados entre grandes propriedades, então chamados bairros rurais, com melhor garantia de segurança posto situados à beira de caminhos, onde mais intensas as movimentações dos brancos, sempre armados, no percurso desde Botucatu - São Domingos até a Capela de São São Pedro, o que evidentemente afugentavam os índios e inibiam ladrões. As chegadas dos proprietários de terras com toda sua parentela e agregados determinou, de pronto, os surgimentos dos bairros residenciais cujas casas construídas em madeira, cobertura de tábuas ou sapé, inicialmente nenhuma delas forradas, algumas construções em adobe, outras de pau-a-pique e barreadas - sopapo.
Um bairro rural se dividia em datas, terrenos com medidas aproximadas de meia quarta de alqueire, onde elevadas as casas, em duas fileiras à margem de um caminho. De um dos lados a sequencia de lotes interrompia-se por uma rua para se chegar ao cruzeiro e pequena capela, e, um tanto mais ao fundo, o cemitério.
Dois bairros inicialmente se destacaram no território que viria ser Santa Cruz do Rio Pardo. O primeiro e mais antigo, o Bairro do Alambari, praticamente uma fortaleza e sentinela, situado numa região estratégica defensiva entre São Domingos e São Pedro do Turvo.
1.1 - Bairro Rural do Alambari - o primeiro
No ano de 1852 são identificados moradores na região do Alambari: 'José Luiz Correa, Manoel Alves dos Reis, Manoel Duttra [Dutra] Pereira e Silvério Gomes dos Reis' (AESP, Lista de Votantes de 1852, para a Capela de São Domingos, Freguesia de Botucatu, no município de Itapetininga).
O lugar, Alambary, apresentou-se, depois, como o '3º Quarteirão Eleitoral da Freguesia de São Domingos', em 1858/1859, identificados os votantes:
-Antonio José Correa, 42 anos, casado;-Antonio Cardoso da Silva, 55 anos, casado;-Antonio Moreira de Souza, 30 anos, casado;-Joaquim Cardoso da Silva, 25 anos, casado;-José Cardoso da Silva, 35 anos, casado;-José Pedro Nunes, 35 anos, casado;-Manoel Dutra [Duttra] Pereira, 56 anos, casado;-Manoel Nunes de Moraes, 52 anos, casado;-Miguel Roiz¨ de Moura, 42 anos, casado;-Manoel Ferreira Nantes, 35 anos, casado;-Francisco Nunes de Moraes, 58 anos, casado.—(AESP/BTCT, Quarteirões da Freguesia de S. Domingos).
O Bairro do Alambari foi integrado ao território de Santa Cruz quando da elevação desta à condição de freguesia e dados seus limites territoriais pela Câmara Municipal de Lençóis Paulista, em sessão de 26 de outubro de 1872:
"Principiando-se no rio Alambary, no logar chamado dos Cardosos, procuram o espigão e por este abaixo até frontear o ribeirão de Santa Clara. E por este ribeirão acima até ultimas cabeceiras e d’aqui, o rumo, ao rio Pardo por entre as terras de Manoel Baptista e Antonio de Oliveira Marinho e por estas, a rumo, até o rio Paranapanema, divisando sempre com a Freguezia de S. Domingos e pelo lado opposto com o sertão."
O Governo da Província de São Paulo aprovou a decisão camarária lençoense por Ato de 09 de novembro de 1872, e o bairro Alambari permaneceu rural ao lado de outros que surgidos ou que surgiram aos longo de décadas.
1.2 - Santa Cruz - sede de fazenda e bairro rural no pontal Pardo/São Domingos
Manoel Francisco Soares assumiu as fazendas Jacutinga, a Crissiumal desmembrada daquela, e a Santa Cruz, além de outras documentalmente informadas. Da Fazenda Santa Cruz, como Bairro Rural, a primeira menção conhecida em 1857:
"André, filho legitimo de Antonio Rodrigues de Moraes e Ana Apparecida da Conceição, da freguezia de Campestre, da Provincia de Minas Gerais, que residem no bairro de Santa Cruz. Forão padrinhos Jose Manoel de Andrade e Dona Maria da Conceição." (Santa Cruz do Rio Pardo, Batismos, 1856/1884: 6).
O bairro informado correspondia à sede da Fazenda Santa Cruz, como lugar de morada para o proprietário, posseiros adjacentes, agregados e trabalhadores, livres ou não, que ali mutuamente se protegiam, com isto, o arraial contado como uma das povoações surgentes no futuro território santa-cruzense, destacado em 1858 ao ser classificado como o "7º Quarteirão de Eleitores do Rio Pardo, para a Freguesia de São Domingos, no município de Botucatu", relacionados os eleitores:
-Antonio Francisco Soares, casado, 38 anos;
-Francisco Pires de Sousa, casado, 40 anos;
-Francisco Soares, casado, 24 anos;
-Fellipe de Moura Rocha, casado, 40 anos;
-Faustino Machado de Oliveira, casado, 50 anos;-José Francisco Chaves, casado, 50 anos;-José Francisco Soares, casado, 31 anos;-Joaquim José Soares, casado, 32 anos;-José Domingues Chaves, casado, 30 anos;-Justino Soares, casado, 30 anos;-Joaquim Pereira da Silva, casado, 32 anos;-José Geraldo, casado, 50 anos;-José Custodio de Sousa, casado, 30 anos;-Ignacio Pinto Gomes, casado, 24 anos;-Joaquim Machado, casado, 24 anos;-José Francisco de Oliveira, casado, 24 anos;-Manoel Francisco Soares, casado, 64 anos;-Antonio Machado, casado, 60 anos.—(AESP/BT, 1859, Freguesia de S. Domingos – Rio Pardo, 7º Quarteirão).
Para o Quarteirão Eleitoral Rio Pardo deu-se a dimensão, grosso modo definida, conforme observação em 1862:
"As divisas combinadas com os moradores, e as mais apropriadas devem ser: Principiando na foz do rio Pardo com o Paranapanema, subindo este até frontiar em linha reta com o ribeiro Santa Clara, descendo este a entrar no Turvo, descendo este athe onde principiou a divisa." (ACMSP, texto extraído de uma das cartas do Padre Figueira, referente ao ano de 1862, Documentos Diversos para Santa Cruz do Rio Pardo).
Por regra legal os eleitores eram, ou deveriam ser, ao menos um ano residentes onde inscritos, mas não se tratava de lugar específico e sim região, dentro de determinada freguesia.
Cada eleitor representava família própria constituída, embora nem todos os moradores preenchessem as exigências para a qualificação eleitoral, e, então, a região do Rio Pardo poderia abrigar, em 1859, outras famílias que não tinham votantes, ou por não atingirem a renda mínima anual exigida de 200$000, ou residir fora ou, ainda, sonegar informações.
São exemplos de fazendeiros, não citados eleitores no 7º Quarteirão: João Rodrigues de Oliveira, sócio de Manoel Francisco Soares na Fazenda Crissiumal; João Vieira Teixeira e Silva, da Fazenda Três Ilhas, por posse primária; Joaquim José Martins, Fazenda Ribeirão Grande/Salto da Boa Vista.
Alguns fazendeiros, eleitores ou não, nunca residiram no lugar, a exemplo do capitalista, arquiteto e entalhador, José da Costa Allemão Coimbra, documentalmente conhecido, mas o seu agregado Francisco Pires de Souza era inscrito votante.
2. As primeiras vias da integração para Santa Cruz
Qualquer povoação somente é dada conhecer quando se sabe quais os caminhos que a interligam com seus bairros rurais e os lugares civilizados.
2.1. Pelo espigão
Pelas atuais vias vias públicas Euclides da Cunha e a sequente Coronel Clementino Gonçalves, limite extremo do patrimônio com a já desmembrada fazenda Santa Cruz, as entradas e saídas do povoado, permitindo ligações com os bairros adjacentes e fazendas, além dos centros desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Esta via conduzia até as proximidades do despejo do Alambari no Turvo, onde o encontro com a preexistente estrada Botucatu/Paranapanema e sertão, sendo à direita rumo a Espírito Santo do Turvo, São João do Turvo, São Domingos, Lençóis [Paulista] onde possível atravessar o Tietê para se chegar a Minas Gerais, e Botucatu de onde seguir trajeto até Sorocaba, São Paulo e São Vicente/Santos; enquanto à esquerda, além do Turvo, abaixo da barra do Alambari, conduzia para São Pedro do Turvo, Salto Grande, Campos Novos e além.
2.2. Ingressos e saídas pelo Pardo
No princípio santa-cruzense, pela obviedade, canoas e pequenas balsas serviram como meio de travessia do Pardo, para acessos aos caminhos das fazendas, povoados e centros comerciais, a partir de um potreiro onde viria se tornar conhecida a Fazenda Água dos Pires.
No entanto, a senda que melhor serviu a primitiva Santa Cruz, ultrapassava o Pardo por uma ponte nas proximidades do 'Salto Bonito' - local hoje conhecido por 'Usina Velha', onde a fazenda do padre João Domingos Figueira. Esta estrada, já conhecida desde 1861/1862, talvez antes, ainda era importante em 1897, lembrada para se colocar nova ponte no lugar denominado 'Fazenda do Padre', "na estrada que da villa de Santa Cruz do Rio Pardo se dirige para o Jacarezinho no estado do Paraná" (Correio Paulistano, 30/05/1897:1) e localidades na província paulista.
Depois se fez uma primeira ponte sobre o Pardo urbano, na atual rua Farmacêutico Alziro de Souza Santos - antes Visconde de Pelotas ou rua 9 [Nove] identificação mais antiga. Outra ponte sobre o Pardo foi pensada em 1886/1887 (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 545), na então Rua 7 [Sete] ou do Rua do Andrade - atual Saldanha Marinho, somente providenciada, como obra pública, em 1900, pela Lei 0743, de 10 e publicada aos 18 de novembro.
Referida lei desapropriava, para utilidade pública, a ponte particular de Manoel Pereira de acesso à sua serraria, do outro lado rio, sendo as obras de reformas pelo governo conclusas em 1901.
Se no século XIX não construída qualquer ponte oficial pela Rua do Andrade [atual Saldanha Marinho], pelo menos a antiga reformada em 1899: "na Rua Visconde de Pelotas - que sobe em direção á cadêa velha, tendo espaço para tres cavaleiros juntos" (Correio Paulistano, edição de 21/04/1899: 2), mesmo local onde a atual ponte, com as adaptações devidas e a rua agora com denominação Farmacêutico Alziro de Souza Santos.
2.3. Do outro lado do Ribeirão São Domingos
Os moradores iniciais de Santa Cruz atingiam as propriedades, para adiante do 'Ribeirão São Domingos', ultrapassando-o pelo leito, a pé ou por uma pinguela, nas proximidades do ainda hoje chafariz, onde também as passagens sobre montarias e veículos por tração animal.
Do outro lado do ribeirão estradas rudimentares seguiam o desenvolvimento das fazendas ao sul riopardense, ou em direção a São Pedro do Turvo, por uma trilheira que, aos poucos, substituía o caminho acessado através do baixio no Turvo nas proximidades da barra do Alambari.
Com o aumento populacional e exigências comerciais, construiu-se a ponte sobre o Ribeirão São Domingos, pela Rua Conselheiro Dantas, por volta de 1880/1890, adiante da qual a estrada para atendimentos às fazendas, bairros rurais, além de melhor comunicação com a povoação de São Pedro do Turvo e adiante, unindo Santa Cruz às vias de integração sertaneja desde Campos Novos.
2.4. Passagem do Turvo pela Ponte do Beato
Uma trilheira adiante do Ribeirão de São Domingos, ou tendo-o por referência de caminho, conduzia às fazendas santa-cruzenses à margem esquerda do Turvo, inclusive às terras do Beato, onde uma ponte rudimentar sobre o citado Turvo, a 'Ponte do Beato', possibilitando travessias à pé e até de dois cavaleiros. Nenhum documento a respeito, mas a passagem era certa e permitida, embora privada e ás vezes restrita, conforme lembrada por moradores santa-cruzenses, idosos ou nem tanto, dos anos 1970.
Algumas memórias, por descendentes de pioneiros do Turvo santa-cruzense, apontavam que o trajeto existia desde os tempos do desbravamento, mas, travessias de carros de boi e carroções, somente por balsa ou no baixio do Turvo, pouco abaixo do desague do Alambari.
A via funcionou até quando a construção oficial de uma estrada melhor e ponte mais segura no Turvo, com duas 'entradas e saídas' urbanas em Santa Cruz, duas pontes sobre o Ribeirão São Domingos, uma na continuação da Rua Conselheiro Dantas, outra na antiga 'Estrada ou Saída Boiadeira', na urbanização denominada Rua Porto Alegre, tempos depois Rua Simão Cabral.
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