1. Bairro do Botucatu
No recenseamento de 1779, para o município paulista de Itapetininga, consta o 'Bairro Botucatu', na Serra de igual nome, com 'sete fogos' [lares] ocupados por quarenta e seis
indivíduos, contados homens chefes de famílias, com suas mulheres, filhos,
agregados e escravos; não apenas gentes rudes lá residiam, considerados alguns
com sobrenomes ilustres, de importantes famílias enlaçadas (Apud Toledo Pizza, 2015:
54-55).
Levantamentos eclesiais, pelos autores SatoPrado, confirmam famílias residentes no Botucatu (Sorocaba, Paróquia Nossa Senhora das Pontes, Livro de Batismos período 1739-1773, apud SGU - https://www.familysearch.org/pt/), Os registros de batismos para Botucatu prosseguem no Livro Eclesial de Itapetininga, Paróquia Nossa Senhora dos Prazeres, período 1773-1805.
Alguns nomes de moradores do Botucatu são os mesmos em ambos os documentos, Censo de 1779 e Registros de Batismos (SatoPrado, Razias (...), 'Botucatu - histórico oficioso').
Carta [Oficial] de nº 36, de 24/12/1766 do Governador e Capitão-general de São Paulo, D. Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, ao Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, informa decisão e providências na formação de uma povoação:
"(...) no Wotucatú sobre o rio Paranapanema para tentar se se pode restaurar as muitas Fazendas que se despovoarão naquelle Rio depois que abandonamos a navegação delle para o Cuiabá, pertendo juntamente as vargens da Vaccaria de Guaycurú de que hoje se querem fazer senhores os Castelhanos, mandando a ellas cada dous annos huma companhia para ver se os Paulistas as povoão, e hé Director dela Simão Barboza Franco." (Dorizotto – Sermo, Documentos Interessantes - Cartas e registros dos séculos XVIII e XIX referentes a Piracicaba e região, Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba – IHGP, 2015: 52 - http://www.ihgp.org.br/wp-content/uploads/2014/09/livro_Doc_Interessantes_bx.pdf).
Marques de Pombal foi o todo poderoso Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino de Portugal, de 1750 a 1777.
O estudioso Manuel Eufrásio Azevedo Marques em seus "Apontamentos Históricos, Geográficos, Estatísticos, Noticiosos da Província de São Paulo" (1879: 147, Tomo I), sobre a formação de Botucatu menciona que "(...) o paulista Simão Barbosa Franco foi quem deu começo a esta povoação em 1766 por ordem do governador e capitão-general D. Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão (Morgado de Matheus). A sua invocação é Senhora das Dores".
Elesbão, Martinho e Faustina, como exemplos, aparecem moradores no alto da serra em dois documentos oficiais distintos em anos diferentes: em 1776 no Livro de Assentos Batismais, e em 1779 por ocasião do Censo de Itapetininga, aproximando provas que o 'Bairro Botucatu' foi assentado na sede da fazenda dos padres jesuítas, no 'Vutucatu' por Simão Barboza Franco por ordem do Morgado de Mateus.
2. Capitão José Gomes Pinheiro Velozzo - quiseram-no fundador de Botucatu
A civilização branca nos anos 1830
chegava até o Cimo da Serra Botucatu, onde o capenga 'Bairro Botucatu', no
município de Itapetininga, oficializado desde 1766 (https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/botucatu-historico-oficioso.html), habitado por administradores e
empregados, livres ou não, das cinco grandes fazendas existentes:
-Fazenda Monte Alegre, do capitão José Gomes Pinheiro Velozzo, formada por propriedades menores: Capão Bonito, Morrinhos e Pedras.-Fazenda Rio Claro, do capitão Ignacio Dias Baptista, alcunhado Capitão Apiaí.-Fazenda Boqueirão/Pulador, do capitão Raymundo de Godoy Moreira, repassada aos genros major José Inocencio da Rocha e o capitão Joaquim Gabriel de Oliveira Lima.-Fazenda Bom Jardim, de João Marques, sesmeiro agrupado a outros na região botucatuense, citado o Rio Tietê como referência.-Fazenda Sobrado, de Domingos Soares de Barros, de antiga sesmaria com o mesmo nome, em atual município de São Manuel, administrada por Joaquim da Costa e Abreu.
Numa versão que se pretendo por oficial na formação botucatuense, o político liberal, capitão José Gomes Pinheiro [Vellozo],
morador em Itapetininga, teria sido o fundador de Botucatu, o que não foi, embora por lá fosse o fazendeiro mais influente e demandador de terras contra arranchados e indígenas desde 1808.
O
Capitão ambicionava, ainda, apoderar-se das terras adiante da Serra, ou, povoar o Sertão para,
expulsos os indígenas, entregá-las 'limpas' ao capital, aplicar-lhe a civilização, porém, nenhum documento documento comprova estas intenções.
No ano de 1842 o Capitão, derrotado
na Revolução dos Liberais, em Sorocaba, homiziou-se em sua fazenda Monte Alegre
até 1844, tempo para enviar cartas a conhecidos, e interessá-los naquelas
terras, inclusive ao 'amigo' José Theodoro de Souza, mineiro de Pouso Alegre,
que viesse ao sertão, combater indígenas e possuir as terras, não se
arrependeria (Marins - Francisco.
'Clarão na Serra', 1973: 25).
Não há duvidas quanto a participação de Gomes Pinheiro na Revolução dos Liberais de 1842 , nem que esteve escondido na Fazenda Monte Alegre, mas, com certeza não escreveu carta alguma a conhecidos, para interessá-los nas terras adiante da Serra. Se
efetivamente escritas e enviadas, os argumentos do Capitão não foram
convincentes para atrair interessados.
3. Capitão Tito Correa de Melo - das suas narrativas descabidas
Com a morte do capitão Gomes
Pinheiro, aos 08 de março de 1848, o genro Tito Correa de Melo, também capitão,
fixou residência em Botucatu para assumir o mando político e a representação
dos fazendeiros locais, também com a mesma ambição do sogro em ocupar o Sertão, igualmente enviando
cartas aos amigos, em especial o 'compadre' José Theodoro de Souza,
convocando-os reunir bandos para combater indígenas e tomar-lhes as terras, adiante da Serra, com
expectativas de muitas riquezas. (Avaré News - Periódico, 'Pesquisas de Gilberto [Fernando] Tenor': 1) 'Capitão Tito Correa de Mello - O mais Poderoso Monarquista da região', coluna de 05/06/2002; 2) 'José Theodoro de Souza, O Desbravador do Sertão', 17/06/2002. CD: A/A).
Narrativas duplicadas, com o diferencial que os contatados pelo Capitão Tito Correa de Melo atenderam sua 'convocação', entre eles José Theodoro de Souza, com o qual, segundo o próprio Tito em autorrelatos de 1889, traçou os planos para a conquista sertaneja fazendo-se o mentor e o seu principal nome ('Avaré, História e Geografia', apud Opúsculo de Avaré, 1939: 3-4).
Tenor prossegue numa de suas informações: "Numa
manhã, apareceu em Botucatu um grande bando anônimo de origens diversas, para
um fim em comum. Entrar no “Desconhecido Sertão” e lá foram eles abrindo o
caminho para o desbravamento da região, até então, inóspita." (AvaréNews, op.cit, 06/06/2002).
O capitão Tito bravateou sua importância na conquista sertaneja, sem ninguém para contestá-lo, em 1889, inclusive quanto a fundação de Botucatu, pelo sogro o capitão José Gomes Pinheiro, vertente esta que os autores, memorialistas e historiadores, acreditaram (Opúsculo - Avaré, História e Geografia, 1939: 6 transcrição), e a história da conquista sertaneja nisto se fundamentou, e permaneceu 'oficializada' até 2018.
No ano de 1849 o José Theodoro de Souza e sua mulher, dona Francisca Leite da Silva, já residiam em Botucatu, declarados fregueses do lugar, ou seja, residência mínima exigida de dois anos, e aos 02 de julho daquele ano, presentes num batizado da família Nolasco (Botucatu, Livro de Batismos, 1849/1856, 02/07/1849: 26), enquanto a presença de Tito no sertão, documental, somente após 1863.A história aponta Euzebio da Costa Luz e José Theodoro de Souza, associados, os maiores responsáveis pela estratégia e invasão sertaneja de 1850/1851, sem influências e ordens de Tito.
Tito não teve a importância arvorada sobre a conquista do Sertão; suas narrativas não correspondem à verdade histórica (SatoPrado, Razias (...), https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/razias-capitao-tito-o-iniciativo.html).
4. Os fazendeiros contidos na Serra Botucatu
Em 1808 o capitão José Gomes Pinheiro [Vellozo] chegou à região da Serra dimensionando terras e, em 1816 adquirido a antiga sesmaria do capitão João
Pires de Lara [nome mudado para João Pires de Almeida Taques], e a seguir
anotado demandador contra pequenos posseiros instalados na propriedade.
Político liberal em Itapetininga, Gomes Pinheiro reivindicava apoio
do governo paulista para conter os perigos indígenas que ameaçavam os
fazendeiros e famílias trabalhadoras na serra. O atendimento, caso ocorresse,
significaria a autorização para o avanço armado, como medida preventiva, sobre
tribos indígenas; e não o conceder seria expor os brancos à sanha dos
selvagens.
A tensão sobrecarregou-se com a edição da Lei Imperial de 27 de
outubro de 1831, revogando as disposições das antigas 'Cartas Régias' nas
partes que permitiam declarar 'guerra' aos índios, ainda que preventiva, até o
extermínio se necessário, e a servidão dos capturados.
Com a política indigenista então afeta ao poder central, o governo
paulista não demonstrava qualquer interesse com fundações de povoados ou
expansões territoriais civilizadas na região e adiante dela, menos ainda nos
investimentos em infraestruturas de sobrevivência ou na colonização
exploratória.
A atenção provincial mantinha-se para os lados da Mantiqueira e Vale
do Paraíba onde prósperas a cafeicultura para exportação, enquanto para o
interior em direção ao rio Paraná, os investimentos maiores destinavam-se às
regiões de Araraquara e Ribeirão Preto, pela importância da criação de gado e
as primeiras lavouras de café.
O avanço entre os rios Tietê e Paranapanema, portanto, preocupava
tão somente os fazendeiros do alto da serra, e isto deveria ocorrer sem a
presença ordenadora do governo paulista, que não possuía condições ou vontade
em manter medidas de segurança para evitar o chamado perigo indígena; não
avalizava a retirada dos índios e nem se prestaria para mediar conflitos.
Pesava que o extermínio indígena, ou sua escravização, não estava
bem visto internacionalmente, e sobre o Brasil incidiam pressões e sanções
econômicas nada interessantes para o comércio exportador, principalmente do
café. Oficialmente, pela citada Lei Imperial de 1831, os índios estavam
declarados órfãos e tutelados pelo Império, que deveria então protege-los em
aldeamentos, ou de qualquer maneira evitar massacres.
Para os fazendeiros, no entanto, o sistema de aldeamento precisava
ser repensado, pois o aldear naturais sem as retribuições ou obrigações de
prestações de serviços compulsórios gratuitos, seria o mesmo que acometimento
pacífico por forçar os proprietários e a população contribuírem com a
manutenção indígena.
Os selvagens não apenas incomodavam como tocaiavam e matavam os
brancos com extrema crueldade, empalando, crucificando, degolando ou esquartejando
corpos de maneira a causar terror entre as famílias desbravadoras.
Adotaram também métodos de luta dos brancos, transmitindo táticas de
combate, como não se defrontarem com o inimigo em campo aberto, preferindo as
matas onde mais facilmente se abrigavam dos tiros e podiam imprimir fugas pelos
rios e ribeirões, além da facilidade por ataques surpresas ou combates corpo a
corpo, cientes que suas flechas eram quase sem efeito contra as proteções que
os brancos usavam sobre o corpo, os escupis e couras, ou pelas corridas
ziguezagues que praticamente lhes impediam fixar o alvo.
Outro eficiente sistema indígena era chegar, pelas matas, em grupos
diversos, até onde estavam os brancos e ali atacá-los de surpresa para assim
impedir-lhes os avanços até as aldeias. Apesar das tantas tentativas, os
brancos não conseguiam avançar sertão, dada a feroz resistência indígena
encarnada nos Caiuá, pelos lados de Itatinga e Avaré; os brancos, quando não
trucidados, fugiam.
Se região despovoada no alto da serra, exceto
trabalhadores de fazendas e arranchados algures, a parte territorial
botucatuense voltada para o Tietê tinha algumas sesmarias ativas, associadas ou
individuais, como as do citado João Marques - em consórcio, e a Sobrado,
particular, de Domingos Soares de Barros, em atual município de São Manuel.
Na fazenda Sobrado trabalhava, o capataz e
tropeiro Joaquim da Costa e Abreu, que viria se destacar na formação da
história botucatuense.
5. O Joaquim da Costa [e]
Abreu povoador de Botucatu
Mineiro, capataz e tropeiro a serviço da fazenda Sobrado, atual município de São Manuel - SP, de propriedade de Domingos Soares de Barros - morador em Piracicaba [Constituição], quando distrito de Porto-Feliz, antes, Araritaguaba. O Soares de Barros possuía terras também em Araraquara - Bairro Jacaré, onde bem transitava o Joaquim da Costa Abreu, por lá instalando famílias trazidas ou vindas do sul de Minas Gerais.
Costa e Abreu buscava tropas de muares, equinos e bovinos, do Rio Grande do Sul, por rotas alternativas para evitar pagamentos de taxas de barreiras, impostos sobre os animais e pedágios cobrados nos caminhos oficiais, além dos elevados custos de pousos e pastagens.
Na província paulista entrava por Faxina [Itapeva] ou Piraju, então Tijuco Preto – nome por semelhança fonética com o tupi 'teyquê-pê' - 'caminho de entrada', trecho desde o Paraná para a Serra Botucatu, e depois condução seguida até Araraquara e Minas Gerais, além das localidades próximas ao trajeto, negociando diretamente com compradores, em seu nome ou do patrão Soares de Barros.
Nestas andanças Costa Abreu conheceu vãos de sesmarias, terras abandonadas e devolutas, inclusive entre as fazendas Monte Alegre, do capitão Gomes Pinheiro, e a Sobrado, do Soares de Barros, que podiam ser apossadas se repelidos os povos originários assentados das matas.
Interesses mútuos, o Gomes Pinheiro e o Costa Abreu celebraram acordo verbal para posses daquelas terras, que fossem originariamente do capitão ou aquelas livres de ocupações primárias, distintas em 'campos e matos', estabelecido os matos para Costa Abreu e os campos para o Gomes Pinheiro, mais intencionado na segurança de suas propriedades, livres da incômoda presença indígena que seria certamente expulsa da região com as ocupações do mineiro.
Com o acordo selado, Costa Abreu de imediato trouxe dezenas de famílias mineiras interessadas em povoar o sertão, afugentar índios e trabalhar a terra, instalando-as nos arredores do povoado Nossa Senhora das Dores do Botucatu, para cujo patrimônio doara, informalmente, porção adicional de terras para acomodar a população chegante: "Em 1835, com o aparecimento por aqui, do sertanista Joaquim Costa, que resolveu POSSEAR o Ribeirão que ficou conhecido como 'dos Costas', hoje Ribeirão Lavapés. É que começou de fato crescer o burgo sertanejo." (Almeida Pinto, 1994: 23).
Gomes Pinheiro e Costa Abreu se desentenderam. Ou o Gomes Pinheiro teria se arrependido do combinado, ou, o Costa Abreu descumprido o tratado ao invadir e assumir para si parte dos campos, e entre eles acontecida a célebre 'Contenda da Porteira', que os zelosos de Costa Abreu defenderam a bala impingindo derrota ao bando do Capitão.
Insatisfeito o Gomes Pinheiro entrou em juízo para reaver pressupostos direitos, mas Joaquim da Costa Abreu morreu antes da decisão, no ano de 1840, e em seu lugar assumiu o filho Euzebio da Costa Luz, político conservador.
— Todo o histórico, até onde possível, sobre o tropeiro povoador de Botucatu, Joaquim da Costa e Abreu: https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/joaquim-da-costa-e-abreu-o-tropeiro.html
O sucesso de Costa Abreu garantiu segurança no alto da serra como lugar resguardado e fortificado atraindo interessados, fazendeiros e trabalhadores, para elevar a população para mais de duzentas pessoas, e instituir o irmão Euzebio da Costa Luz seu representante local e sucessor mandante.
6. Das terras além da Serra: êxitos e fracassos
Com a firmeza estabelecida por Costa Abreu nos anos de 1830, alguns
fazendeiros ousaram posses para adiante da serra.
O agricultor Pedro Ribeiro Nardes, contado entre os moradores de
Tatuí, "Quarteirão nº 14 do Bairro de Tatitu, Districto de Paz do
Municipio de Itapetininga, no ano de 1835." (Apud Franceschi, 2009), se estabeleceu em 1834, com sua família,
agregados e escravos, às margens do Ribeirão Grande, nas cercanias de Aimorés,
atual região de Bauru (Bauru, edição histórica, 1977: 7).
Numa desvantajosa refrega com os índios,
Nardes retirou-se do lugar e depois se mudou para Castro (PR), com a família, e
daí ao Rio Grande do Sul onde fez crescer a descendência e parentela. Anos mais
tarde, Manoel Rodrigues de Almeida, promoveu o Registro Paroquial de Terras do
lugar 'Campos Novos' [Bauru], título de posse adquirido de Pedro Nardes Ribeiro
em 1834 (AESP: RPT/BTCT nº 344: 119-v, levantamentos de SatoPrado).
O capitão José Gomes Pinheiro Machado também avançou conquistas
adiante da serra, e em seu nome registradas terras confinantes ao Nardes, na
região de Bauru; no entanto, sentindo as agruras do Nardes, optou por permanecer
na serra.
As terras do capitão no "Sertão do Bairro
de Bauru" constam no Livro de Registros Paroquiais de Terras, nº 123
(AESP: RPT/BTCT Nº 01 - Aviso-Circular, Imperial, de nº 22/10/1858).
Os associados sorocabanos, Procópio José de Mattos e Domingos
Palmeira, em 1835 avançaram além dos limites da Boa Vista, a antiga fazenda
jesuítica, e apossaram terras para formar a fazenda Palmeira, lugar não tão
distante da civilização, sem registros significativos de ataques indígenas.
Ignácio Dias Baptista, o 'Capitão Apiaí', em 1834/1835 senhoreou-se
de terras de campos e matas entre os rios Claro e Turvinho, e desde as
nascentes e vertentes dos Ribeirões São Domingos e Forquilha, até os
respectivos despejos no Turvo, abandonando o projeto. A história não registrou o motivo do recuo do Apiaí para a sua
fazenda Rio Claro, no alto da serra, onde assaltado por índios bravios e morto
por crucificação em 1838. Anos depois os herdeiros e a viúva meeira registraram
partes das posses herdadas e alienaram outras (AESP: RPT/BTCT).
As crescentes
ações indígenas no alto da serra apavoravam os brancos. Os agressores, após os
ataques noturnos ou às claras contra grupos isolados, retornavam rápidos para
as encostas onde bem conheciam e se faziam praticamente imbatíveis, colocando
em risco as conquistas civilizadas.
Aos fazendeiros restavam as alternativas: ou abandonavam a região ou
contratavam bugreiros para uma limpeza étnica regional e, de vez, restabelecer
a segurança às famílias e trabalhadores.
7. Euzebio da Costa Luz: o início da
ocupação sertaneja além da Serra
Costa Luz, mandador em Botucatu no lugar do pai, Joaquim da Costa Abreu morto em 1840, era nome fortemente vinculado a José Theodoro de Souza, historicamente comprovado em, pelo menos, três oportunidades. em três oportunidades. No mês de maio de 1842, na localidade de Sorocaba-SP, quando da deflagração da Revolução Liberal e os revoltosos, senhores da situação num primeiro momento, prenderam o conservador chefe político botucatuense, Euzébio da Costa Luz, aconteceu pronta reação de Theodoro para o tornar livre (Aloisio de Almeida, publicação O Estado de São Paulo, 11/11/1951), gesto inimaginável como ação solidária ou solitária que não retribuída com algum vínculo.
O historiador Hernani Donato não deixa dúvidas tratar-se de José Theodoro de Souza, o desbravador do Sertão Botucatu, assim ajustado em dois textos de sua obra (Donato. op.cit, pgs 72 e 110 – Notas 1).
Noutro vínculo solidário, Costa Luz deixou o mando botucatuense para se aventurar na conquista sertaneja, ocupando ponto estratégico de apossador de terras ao longo do Paranapanema, entre os atuais municípios Timburi e Salto Grande, lugar perigoso e sensível às invasões indígenas; também foi o Coata Luz acompanhante de José Theodoro de Souza à província mineira, em 1852, inclusive servindo de testemunha na doação de terras feita pelo pioneiro e sua mulher para os patrimônios de São João Batista e São Pedro, aonde hoje São Pedro do Turvo, de acordo com escritura lavrada em atual São João da Boa Vista.
Talvez a ligação entre José Theodoro de Souza e a família Costa e Abreu / Costa Luz, venha desde os tempos de Joaquim da Costa e Abreu, com Theodoro trabalhando como homem de confiança e espia de tropeiradas e boiadas, à frente dos mateiros e atiradores, para a garantia dos condutores e das cargas, com decisões rápidas ante os perigos. Não encontrado documentos que possam atestar algum contrato entre as partes.
Costa Luz era muito mais interessado na conquista sertaneja além da Serra, que o mando e representação política botucatuense, desde 1847 em curso a invasão branca sobre territórios indígenas movimentos perceptíveis nas diversas famílias mineiras, de onde sairiam os bugreiros, se estabelecendo em vilas ou freguesias paulistas, ditas civilizadas, Araraquara, Botucatu, Brotas, Dois Córregos e Jaú; documentos eclesiais comprovam tais cheganças (SGU, FamilySearch).
Ao ensejar a conquista do último rincão inculto da província paulista, Costa Luz e José Theodoro, ou às suas ordens, teriam feito esquadrinhar o sertão, mais ou menos das dimensões da Holanda, para saber onde localizadas as aldeias indígenas, os números de seus guerreiros, os acidentes geográficos, os caminhos e os usos e costumes dos povos a sofrerem as ofensivas, apresentando assim a possibilidade de ataques relâmpagos, quase simultâneos, em toda a área a ser ocupada, conforme viria acontecer.
Considere-se nisto o uso de índios mansos para levantamentos, aliados ao costume do selvagem não atacar passantes, situações de valia para os observadores.
Ao ensejar a conquista do último rincão inculto da província paulista, Costa Luz e José Theodoro, ou às suas ordens, teriam feito esquadrinhar o sertão, mais ou menos das dimensões da Holanda, para saber onde localizadas as aldeias indígenas, os números de seus guerreiros, os acidentes geográficos, os caminhos e os usos e costumes dos povos a sofrerem as ofensivas, apresentando assim a possibilidade de ataques relâmpagos, quase simultâneos, em toda a área a ser ocupada, conforme viria acontecer.
Considere-se nisto o uso de índios mansos para levantamentos, aliados ao costume do selvagem não atacar passantes, situações de valia para os observadores.
8. A conquista sertaneja - A 'Guerra ao Indígena'
José Theodoro de Souza iniciou a incursão sertaneja antecipando-se à Lei
[Imperial] de Terras, nº 601, de 18 de setembro de 1850, num momento que o
governo 'cedia' aos conclamos dos fazendeiros, com ato permissivo de repressão
aos índios vagantes e hordas selvagens.
Numa brecha legal ou regra de interpretação, o Decreto Imperial nº
426, de 24 de julho de 1845 - 'Regulamento das Missões', reconhecia o direito
de posse ou usufruição de terras aos índios aldeados, dentro dos limites da
Missão, mas não aos índios selvagens e aqueles recalcitrantes ao aldeamento, e,
então, o avanço do branco podia ser justificado, pois tais hordas impediam o
progresso e colocavam em risco as famílias trabalhadoras.
Ademais, não havia aldeamento indígena na região de Botucatu, e o de
São Sebastião do Tijuco Preto - Piraju, o primeiro, implantado apenas em 1854.
O bandeirante apresentou-se à frente de verdadeiro exército, cerca
de mil homens, conforme inferido em documento de junho de 1851 (AESP/BTCT,
22/02/1851: 1, Caixa 40, Pasta 1), com o duplo propósito em fazer a extirpação
étnica indígena e a imediata ocupação das terras pelos brancos.
Theodoro dividira sua tropa em frentes ou colunas fortemente
armadas, com líderes postos e instruídos para as razias através das dadas. Os comandos receberiam suas pagas
em porções de terras e as fracionariam para os comandados, além das partes que
seriam postas a vendas e os lotes destinados aos povoados.
O avanço bugreiro de 1850/1851 teve início a partir de Avaré, com
extermínios das tribos Caiuá e Botocudo, numa guerra sangrenta e desigual, episódio do qual Tito se apropriaria minimizando carnificina quase quatro décadas depois::
"De volta de sua excursão nas terras dos índios Caiuá e Botocudos, José Teodoro de Souza, que chefiava o bando de 'posseiros' consultou-me se devia conservar o nome dado pelos selvagens aos rios e morros encontrados, bem como aos campos, ao que retorqui ser melhor dar-lhes nomes novos, de acordo com a nossa linguagem. E então ficou combinado o registro das posses efetuadas." (Opúsculo - Avaré, História e Geografia, transcrição, 1939: 6).
Dos acometimentos contra os índios, documentos oficiais contam os
horrores praticados:
"(...) pellos bugreiros, e de maneira que foi totalmente destruido, sendo os homens á balla, e as mulheres e crianças a faca, com o único fim de apropriarem os optimos terrenos, que desgraçados occupavão, os quaes com a mania de novas posses os seos conquistadores venderão por pouco mais de nada, para levarem mais longe a devastação." (DAESP/BT, Caixa 39, Doc. 41-B, Pasta 2: 0225-0226).
Não há de se falar em conquista territorial sem a presunção da
resistência indígena. "Houve lutas ferozes dos índios contra os
exploradores e colonizadores, (...) e com violentos massacres e represálias
recíprocas" (Dantas, 1960: 40). Mas, as armas e as proteções de guerras
eram desiguais.
O objetivo dos conquistadores "era tornarem-se realmente
senhores da área que o registro lhes attribuiu, consentissem ou não os donos
primitivos (...) encarniçada a lucta e só teve fim depois que os selvagens
foram completamente exterminados." (Nogueira Cobra, 1923: 48).
Fragmentos históricos mostram o lado cruel dessa atividade exercida
pelo pioneirismo, avocado ao processo da dizimação indígena para ocupação
territorial e de produção, conforme exigências do capital e interesses do
estado.
A empreitada ocorreu num curto espaço de tempo, a contar de 1850,
quando tribos inteiras exterminadas e os índios sobreviventes arredados, e
entre maio e junho de 1851 já se discutia a elevação da primeira 'Capela'
sertaneja, aonde a atual Lençóis Paulista (DAESP/BT, Caixa 40, Pasta 1,
22/07/1851: 1), porém a escolha política e eclesiástica recairia sobre São João
de São Domingos, localidade melhor centralizada.
-o-
Contato: pradocel@gmail.com