domingo, 27 de outubro de 2024

1881 - REGULARIZAÇÕES DE POSSES E OS GRANDES 'GRILOS'

1. Divisas e regularizações de posses
Foto representativa - regularizações de posses
-créditos foto SatoPrado-
No ano de 1880 iniciou-se em Santa Cruz os processos de legitimações de posses e delimitações de áreas, para sua formação político-administrativa.

1.1. Das posses e das comissões
Com previsão no artigo 5º da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, chamada de Lei de Terras do Império, originou-se o instituto da legitimação de posse, ou o reconhecimento pelo poder público ao domínio pleno da propriedade, por requerimento provando posse primária ou aquisição legítima de terra titulada. Tarefa nada fácil e algumas situações ainda hoje discutidas judicialmente. 
As primeiras transações de terras encerravam-se em documentos particulares, imprecisos e quase sempre assinados a rogo, ou através de procurações, forjadas às vezes, e aquelas em que os assinantes e procuradores "faziam vendas a revelia do proprietário, o qual geralmente ignorava por completo as amputações exercidas sobre a sua propriedade." (Giovannetti, 1943: 92).
Em 1878 patenteava-se que o Governo não tinha controle algum dos registros de terras, grassando as invasões e demandas, com consequentes tensões e violências, exigindo que o 'Conselheiro' Antonio da Silva Prado, quando Ministro da Agricultura do Império, se empenhasse nas regularizações de terras, nas questões fundiárias e das terras devolutas do Vale Paranapanema, através de uma Comissão formada por Engenheiros e outros profissionais, técnicos e auxiliares, chamados 'Comissários', estabelecendo "na Vila de Santa Cruz do Rio Pardo o seu centro de operações." (Di Creddo, 1987: 209-v).
A partir daí as criações de agências "nomeadas pelo governo da Província para dar início à discriminação das terras de domínio público e ao mesmo tempo proceder à legitimação das posses." (Nogueira Cobra, 1923: 90). 
As Comissões trouxeram mais problemas que soluções. "Os commissários citavam os interessados para apresentarem títulos a fim de os conferir com a Lei 601 e seu regulamento e poder despachar as pretensões de cada um, segundo merecessem" (Nogueira Cobra, 1923: 91), sendo interesse do governo delimitar as terras devolutas e estabelecer aquelas para instalar povoações, denominados 'núcleos coloniais', e outras para os aldeamentos indígenas.
Os documentos comprobatórios estavam espalhados entre Santa Cruz, São Domingos, Lençóis, Botucatu e outras localidades distantes, entre as citadas, Caconde, Casa Branca, São João Batista do Rio Verde (atual Itaporanga) e São João da Boa Vista, e alguns centros focos de suspeitos incendimentos, mencionando-se Casa Branca, onde não se localizou a escritura das terras vendidas por Theodoro a Francisco de Assis Nogueira e José Machado de Lima, posto "anterior incêndio no prédio antigo tornaram todas as buscas infrutíferas." (Campanhole, 1985: 133).
Os tomadores/invasores de terras e os 'grileiros', pelos falsários, sabiam melhores os documentos de posses entre 1856 e 1864, cujos títulos eram dominiais, o que lhes facilitavam invasões e falsificações, por não se conseguir a 'antidata cartorial'. Os Juízes Comissários decidiam, via de regra, a favor dos Coronéis ou seus indicados, por sentenças quase nunca reformadas em instâncias superiores, distantes e alheias dos acontecimentos. 
O Governo tinha ciência dos métodos usuais, e para solução criou-se a Comissão de Discriminação e Medição de Terras do Vale do Paranapanema, sob a direção de José Ribeiro da Silva Pirajá, do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Governo de São Paulo. A Comissão, como serviço descentralizado, tinha competência de decisão final.
Todavia Pirajá, por suas decisões, anunciara quais as áreas devolutas e aquelas pretendidas para aldeamentos indígenas, para daí iniciarem-se invasões com aumento dos conflitos e falsificações de títulos. O forte apossava porção de terras devolutas e logo invadia a parte vizinha, de algum posseiro primitivo, herdeiros ou sucessores simplórios, alguns ausentes ou desconhecedores do tamanho real das posses. 
A Inspetoria de Terras e Colonização em 1890 resolveu pela criação de quatro Comissões de Terras para o Vale Paranapanema, ficando Santa Cruz como 3ª Seção constituída (Correio Paulistano, 03/08/1890).
Na divisão territorial do Estado de São Paulo, de 1896, em cumprimento e regularização da Lei nº 323, de 22/06/1895 - Poder Legislativo, Santa Cruz foi classificada como sede do 5º Distrito, com a Delegacia da Terra, para a qual João Baptista Botelho designado o primeiro Delegado, depois substituído por João Evangelista da Silva.
Em 1909 a Secretaria da Agricultura do Governo do Estado, pelo Serviço de Discriminação de Terras da Comarca de Santa Cruz e da então Campos Novos do Paranapanema, convocou fazendeiros e proprietários para proceder a discriminação e revalidações de títulos e documentos de posses.
Nas ditas demarcações são percebidas presenças sempre e certas de fazendeiros santa-cruzenses, destacando-se o Coronel Antonio Evangelista da Silva – Tonico Lista, Capitão Balthazar de Abreu Sodré, Dr. Cleophano Pitaguary de Araujo, Dr. Fernando Eugenio Martins Ribeiro, Dr. Olympio Rodrigues Pimentel e o Coronel João Baptista Botelho entre outros protagonistas de 'grilagens' e grandes invasões de terras.
Das opiniões e decisões da Comissão de Terras, raramente contestadas, apenas em alguns casos ocorreram denúncias e pedidos de anulações, gerando demandas judiciais por décadas.

2. Dos famosos 'grilos' de terras em Santa Cruz do Rio Pardo
A Câmara Municipal de Lençóis Paulista, aos 09 de agosto de 1875, oficializou o Juízo de Paz e Notas de Santa Cruz, como organismo encarregado em escriturar negócios privados, a pedido das partes, lavrar e certificar contratos, convênios e outras atividades redatoras, com cópias arquivadas em livros próprios. Em setembro do mesmo ano, Jacob Antonio Molitor iniciava, como escrivão, as atividades cartoriais.
A instalação do tabelionato trouxe a Santa Cruz notoriedade, como lugar de ajustes entre os sertanejos nas suas transações - compras, trocas e vendas de terras, e outros registros, conferindo-lhes a eficácia de ato jurídico prevalente contra terceiros.
Já em 1876 atribuía-se ao Molitor a especialidade em forjar e legitimar falsas escrituras de compras e vendas de terras, atividade progressiva até formar quadrilha, com as colaborações de Manoel Joaquim Bueno, cartorário e agente fiscal em São Domingos, depois transferido para São José do Rio Novo; José Manoel de Almeida, tabelião público do judicial e notas e escrivão do cível e crime, em Santa Cruz do Rio Pardo; e de Luiz Domiciano Rosa ou Domiciano Luiz Rosa, agente público em São José do Rio Novo e depois Santa Cruz do Rio Pardo.A 'grilagem' do Pontal do Paranapanema teve expedição primária em Santa Cruz, pelas mãos e influência de Jacob Antonio Molitor:
—"(...) o imóvel Pirapó-Santo Anastácio, por escritura pública lavrada nas notas do Tabelião da Vila de Santa Cruz do Rio Pardo, Livro n. 27, fls. l/2v, de 11. 1. 1890, devidamente transcrita sob n. 806, em data de 17 de janeiro do mesmo ano, o imóvel Pirapó-Santo Anastácio foi transmitido em sua integridade a Manoel Pereira Goulart, (fls. 5. 570)." (1º Tribunal de Alçada Civil, Nona Câmara: Acórdão, Autos de Apelação 808.933-2, 19 de fevereiro de 2002: 33).
Outra grande 'grilagem' conhecida como "Grilo de Santa Cruz do Rio Pardo", por ser o lugar onde lavrada a fraudulenta escritura de terras, situadas nos municípios paranaenses de Cascavel, Guaraniaçu e Toledo:
—"(...) tituladas a elementos do grupo João Simões e que, para não haver qualquer suspeita ou ligação como o grilo acima mencionado, o nome da gleba de 26.000 alqueires foi mudado para Piquerobi, tendo o mesmo sido substituídos nomes de rios para tornar-se difícil a identificação do local." (Ultima Hora, 10/01/1959: 7).
Mais de uma centena de outros falsos títulos aconteceram, amiúde desde o último quartel do século XIX à primeira vintena dos anos de 1900, tanto por fazendeiros locais quanto aqueles que apenas usaram o serviço público santa-cruzense, para as feituras e acertos de expedientes ilegais.
Alguns dos grandes 'grilos' são lembrados e envolvem nomes famosos do lugar:

2.1. O 'grilo' do coronel Emygdio José da Piedade
João da Silva e Oliveira, cunhado de Theodoro, e Francisco de Paula Moraes - genro do pioneiro-mor, intentaram posse no rio do Peixe conhecido, a voltar-se para o oeste algumas léguas desde as vertentes e as contravertentes avistadas adiante das cabeceiras do rio Capivara, que João da Silva e Oliveira repassou a João Antonio de Moraes, alcunhado João Beraldo, e este, de pronto, simulou venda ao irmão Francisco de Paula Moraes, para legitimar documento, cuja escritura celebrada no 'Cartório de Jacob Antonio Molitor', aos 19 de fevereiro de 1877.
Ideias de João da Silva Oliveira, em combinações com Molitor, a melhor maneira em legitimar terras ilegais era vende-la em pequenas propriedades a diversos interessados, para tornar morta a Lei de Terras (601/1850), sem suspeições dos comissários.
Mesmo assim, não eram vendas fáceis, todavia Paula Moraes conseguira, em 1881, alienar três fazendas do seu todo pretenso, a Água Três Lagoas para Aleixo de Sandys Goudin [Goudim]; a Pomba do Futuro, a Emygdio José da Piedade; e a Pomba de Prata a Augusto César [Cezar] da Piedade (Nogueira Cobra, 1923: 71).
O influente coronel, cartorário e fazendeiro Emygdio José Piedade, deputado provincial de São Paulo, adquiriu as terras sabidamente não legalizadas, criando vínculos de cumplicidades com o vendedor.

2.2. A 'legitimação' do Vale do Peixe
O outro hábil na arte das falcatruas cartoriais, Luiz Domiciano Rosa, agiu em proveito próprio e familiar, aos 22 de setembro de 1883, no Cartório de Santa Cruz ao inventariar todo o Vale do Peixe, da nascente à barra, como bens deixados pelo sogro Francisco de Paula Moraes, morto naquele mesmo ano em Campos Novos [Paulista], pelo imigrante italiano Francesco Capputto, aparentemente após desentendimento ordinário.
As terras ilegalmente apossadas por Moraes, no Vale do Peixe, eram poucas conforme descritas na escritura do Beraldo, seguindo o rio que se pensava "afluente do Aguapei ou Feio" (Giovannetti, 1943: 133) ou mesmo "tributário do Tietê" (Nogueira Cobra, 1923: 67).
Paula Moraes, no entanto, descobrira antes que qualquer membro de Comissões do Governo, provincial e imperial, aonde geograficamente o real despejo do Peixe, e sua distinção do Feio/Aguapeí, e, de posse do conhecimento, aos 11 de julho de 1882 arriscou justificação à Comissão de Terras, para posse ampliada de todo o Vale, das nascentes à barra:
—"(...) área de terras que confinão nas vertentes do ribeirão Paequeré [antigo nome de uma das nascentes ou afluente primeiro do Peixe - n.a], com os mesmos posseiros e dessendo pela serra de baixo até o rio Grande [Paraná] e subindo pelo rio Grande a cima até o espigão do Tieté na serra aonde verte para o rio do Peixe e subindo pelo cume da dita serra a cima até encontrar as divisas dos mesmos posseiros e seguindo por estas divisas afora ate aonde teve comesso no ribeirão do Paequeré." (Giannasi - Chrysostomo, 2003: 42-43, transcrição).
Com a 'anuência' da Comissão de Terras, Domiciano inventariou toda a bacia do Peixe, desde as cabeceiras na 'Serra de Agudos' à barra, que agora se sabia, no 'Rio Paraná', e assim todo aquele Vale, área em torno de 500 mil alqueires (Giovannetti, 1943: 136137), fez do falecido sogro o senhor de quase treze mil quilômetros quadrados de terras - seis léguas de largura por cinquenta de fundos, avaliados em lotes distintos, sendo o inventário vistado e julgado favorável por sentença em Lençóis aos 12 de abril de 1886, pelo juiz da comarca de Lençóis Paulista, Joaquim Antonio do Amaral Gurgel (Nogueira Cobra, 1923: 71).

2.3. Os cem mil alqueires do coronel João Baptista Botelho
João Baptista Botelho apresentava-se negociante de terras e procurador de terceiros (DOSP, 01/03/1892, exemplo aleatório), vinculado aos falsificadores e grileiros instalados em Santa Cruz do Rio Pardo, e próximo dos membros das Comissões de Terras do Governo, afinal era ele o delegado do 5º Distrito Territorial sediado na localidade, também conhecido por 'Delegacia de Terras', cujo órgão responsável pelas atuações sobre terras devolutas, suas demarcações, medições, demarcações e aquisições, além das legitimações ou revalidações das posses ou das terras sesmadas, concessões e vendas, discriminações do domínio público e do particular.
Botelho, através de João da Silva e Oliveira, o cunhado e procurador do desbravador José Theodoro de Souza, avançou sobre muitas propriedades que não eram suas. Numa delas, João da Silva apareceu como adquirente de cem mil alqueires de terras de José Theodoro de Souza, em 1853, depois vendedor da mesma sorte a Justiniano Ferreira Dias, em 1864, daí o traslado aos 07 de maio de 1898, pelo escrivão de paz de Bica da Pedra, pela qual o Justiniano Ferreira Dias e sua mulher constituíram o registrante, coronel João Baptista Botelho, como procurador em causa própria (R.SNA, 1903: 98-99).   Carece de razoabilidade a alienação das terras de José Theodoro de Souza a seu cunhado e procurador João da Silva e Oliveira, porém o coronel Baptista Botelho não teve restrições da Comissão de Terras, nem precisou justificar-se quanto às origens dos milhares de alqueires numa só propriedade.

2.4. Alguns dos 'grilos' do coronel Tonico Lista
O advogado Olympio Rodrigues Pimentel sempre esteve à frente dos negócios coronel Antonio Evangelista da Silva - o Tonico Lista, referentes às invasões de terras e práticas de 'grilos', conforme alguns exemplos:

2.4.1. Fazenda Anhumas/São João
Nos tempos da Comissão de Terras em Santa Cruz do Rio Pardo o advogado Pimentel reivindicou judicialmente a fazenda São João/Anhumas a favor de seu cliente Antonio Evangelista da Silva (Cidade de Santa Cruz, 08/09/1918: 2).
Referida fazenda fizera parte da primitiva posse de Gabriel Archanjo de Faria (RPT/BT nº 487, 30/05/1856), cuja titularidade questionada em razão de Bernardino José de Senne, ao promover o Registro Paroquial de Terras em nome do pai e por ele assinar a rogo, posto analfabeto, esquecera-se de lançar esta observação no registro.
Embora questionado o registro, Archanjo teria alienado partes de sua posse ao Coronel Ignácio de Barros Cobra e ao tenente Ananias Joaquim Machado, em 23 de maio de 1862. Todavia, falecendo o vendedor sem ter outorgado respectivas escrituras, a filha Flauzina e o marido Tiburcio Gonçalves dos Reis, também conhecido por Tiburcio Santiago, contrariando os demais sucessores, não reconheceram as vendas e registraram escritura de suas porções entendidas por direito, na Comarca de Lençóis Paulista, aos 02 de janeiro de 1888.
Tais situações geraram disputas judiciais e, com o tempo, ocorreram divisões entre herdeiros e sucessores, legítimos ou não, além de apropriações indevidas, para de vez complicar as divisões entre condôminos.
Dentre os reivindicantes de terras referentes à posse original de Gabriel Archanjo de Faria, estava Antonio Evangelista Silva, que tonou a fazenda São João/Anhumas.

2.4.2. Das terras de Jacintho Alves Lima
Da mesma maneira, documento cartorial revela outro caso de disputa regional de terras, desta feita com os descendentes de Jacintho Alves de Lima, citados como:
—"(...) interessados na acção de medição em divisão da fazenda, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo. (...), cujo inventário homologado neste Juizo, originou-se a comunhão do immovel dividendo: que o immovel se limita com o ribeirão Dourado e com a propriedade do Coronel Antonio Evangelista da Silva, da Mitra Diocesana e de Francisco Fernandes Negrão que são condôminos ou como tal se inculcam aquelles constantes da relação anexa; que muitos dos interessados têm benfeitorias e culturas na fazenda dividenda." (O Contemporaneo, 01/11/1917: 3).

2.4.3. Fazenda Mandaguay
Outro grande 'grilo' do coronel Lista foi a fazenda Mandaguay. A propriedade, em grande parte, apropriada em desfavor aos herdeiros da família de Francisco Ignácio Borges, aqueles que citados por editais não compareceram, ou cujas partes alienadas por permutas nunca bem esclarecidas.

Outra parte da Mandaguary foi pleiteada por João Evangelista da Silva, o pai do coronel Tonico Lista, contra a mesma família Borges, e assim procedeu igualmente o agricultor Urias Barbosa (Correio do Sertão, 21/11/1903: 3, Juízo de Direito da Comarca, edital de 10 de outubro de 1903), ambos favorecendo o Lista.

Evidente que os Borges, falecido o patriarca, tinham dificuldades de documentações assim como os proprietários anteriores, desde Francisco Martins de Azevedo, o bugreiro apossador daquelas terras, e o primeiro comprador Francisco José Paulino.


2.4.4. Demandas perdidas

 Após a morte do coronel Tonico Lista, algumas de suas propriedades indevidamente apossadas ou questionadas judicialmente, tiveram decisões contrárias aos interesses de seus herdeiros (DOSP, 14/03/1933: 38-39).


2.5. O 'grilo' do fazendeiro Joaquim Fernandes Negrão

Nome influente na sociedade santa-cruzense, Joaquim Fernandes Negrão ganhou notoriedade também por grilagens de terras, numa delas a seguir denunciada por Antonio José de Souza:

—"Chegando ao meu conhecimento que o sr. capm. Joaquim Fernandes Negrão, na qualidade de inventariante dos bens deixados por sua mulher, d. Maria Constancia Negrão, déra o inventário com o supposto nome de fazenda Bella Vista, o ribeirão do Cedro, onde me acho arranchado, e o veio esquerdo do ribeirão do Jaborandy, onde se acha aranchado o meu genro Francisco Antonio d'Oliveira, pertencentes à fazenda Indivisa do Pau d'Alho, da qual possuo 800 alqueires, com cultura effectiva e moradia habitual, desde 1879, por mim e meus antecessores - no dia 16 de Outubro de 1899 protestei perante o exmo. dr. Juiz de Direito de Campos Novos do Paranapanema, para onde se havia expedido precatoria para avaliação dessas terras, contra a indebita inclusão das mesmas no inventario a que acima me refiro - protesto de que no dia 11 de Novembro daquelle anno foi intimado o capm Negrão." (Correio do Sertão, 31/05/1902: 3).

'Pau d'Alho' tornou-se o município de Ibirarema e onde instalada a atual cidade do mesmo nome.


2.6. Fazenda Óleo

A Fazenda [do] Óleo, outrora território santa-cruzense, esteve inclusa entre as diversas propriedades com falsificações de registros, assim mencionada em relatório oficial do Governo do Estado de São Paulo, pela sua Secretaria da Agricultura:

—"A fazenda do Oleo, toda incluida no lote devoluto denominado do Ribeirão Bonito, demarcado, dividido e registrado pelo Estado como de sua propriedade, foi, no entanto, objeto de uma ação de divisão entre particulares que, por esse meio, conseguiram apoderar-se de 650 alqueires de terras devolutas. A Procuradoria Fiscal, parece-nos, não teve conhecimento de tal divisão, - pois não compareceu para se opôr a esse meio, já muito conhecido, de apropriação de terras do Estado. A Diretoria de Terras, já fez um estudo da questão, afim de que tenha uma solução satisfatória. Dá-se outrosim, no caso vertente, a agravante de haverem sido prejudicados e esbulhados da sua propriedade pequenos agricultores adquirentes de lotes vendidos pelo Estado. Faz-se, pois, mister propôr contra os atuais detentores dessas terras a competente ação de reivindicação e, em seguida, restaurar a posse e o dominio dos seus legitimos donos." (R.SNA (...) 1930: 177).


2.7. Fazenda Santo Ignácio

O Governo do Estado mencionou falsos títulos de propriedades no todo da Fazenda Santo Ignácio, na Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, melhor situada no município de Campos Novos Paulista:

—"Na Fazenda Santo Ignacio (Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo), deu-se o mesmo que na anterior (Fazenda do Óleo). Feita a verificação do resultado obtido com a divisão da Fazenda do Óleo, tentou-se o mesmo processo com a fazenda Santo Ignacio, - tentativa que surtiu, tambem, o desejado efeito, tendo sido esbulhados os pobres sitiantes que confiaram na garantia da venda feita pelo Estado. Para defesa das aludidas terras e das restantes que o Estado possue na Fazenda Santo Ignacio, urge propôr a competente ação de reivindicação. Sobre o assunto, fez a Diretoria de Terras a este Secretariado uma exposição minuciosa e completa." (R.SNA (...) 1930: 177-178).


2.8. Grilos Históricos - ainda hoje

2.8.1. Fazenda Pirapó/Santo Anastácio

José Antônio Gouveia, apresentou-se no sertão como posseiro primitivo do latifúndio denominado 'Fazenda Pirapó/Santo Anastácio', com Registro Paroquial de Terras sob nº 22, lavrado aos quatorze de maio de 1856, na Paróquia de São João Batista do Rio Verde, atual Itaporanga, assinado pelo vigário frei Pacífico de Monte Falco [Montefalco]. 

Na oportunidade Gouveia declarou-se morador na propriedade desde 1848, com lavoura e criações, numa posse mansa e pacífica:

"Principiando em uma serra no Paranapanema, para cima da barra do Paraná, compreendendo as barras dos rios Pirapo e Santo Anastacio e cercando as vertentes destes mesmos athe a mesma serra do rio Paranapanema, onde principiam estas divisas."

Descrição vaga para um latifúndio que, se pensava, em torno 300 mil hectares, aproximadamente 124 mil alqueires de terras.

Duas 'públicas formas' desse mesmo título de posse diferem-se. Numa delas, que deveria ser cópia exata e certificada do documento original, a 'antedata' - dizia-se antidata, extraída aos 24 de agosto de 1888, por João Americo Bressane, Escrivão de Paz da então Vila de São Pedro do Turvo, na vez de tabelião para isto, vê-se:

—"(...) principiando em uma serra do Paranapanema para cima da barra do Paraná, dez léguas mais ou menos e subindo pelo rio Paraná comprehendendo as barras o Pirapó e Santo Anastácio, e cercando as vertentes destes mesmos dois ribeirões até a mesma serra de onde principiam essas, ignorando os confrontantes e a sua extensão desta minha posse."

Dois anos depois, outra 'pública forma', extraída pelo tabelião oficial Evaristo Valle de Barros, do Rio de Janeiro, em 15 de dezembro de 1890, descreve:

—"Descendo das contravertentes do rio Aguapehy pelo rio Paraná abaixo, ate um rio que faz suas cabeceiras nas fronteiras do Itapetininga [Paranapanema] e subindo por este acima á distancia de dez léguas e meia medidas e daqui subindo ao espigão cercando as vertentes dos dois ribeirões que fazem barra no rio Paraná o qual o outro faz barra para baixo do já dito Santo Anastácio com todas as suas vertentes e subindo o Paraná acima ate onde teve principio e fim estas divisas."

—Ambas as 'formas', por publicação 'O Estado de São Paulo', 24/03/1935: 18, pretendem um único original.

Com melhores conhecimentos da região e a necessidade de um documento único e crível, surgiu uma transcrição de 1928, já excluído o faltante rio Pirapó paulista, substituído pelo espigão do Peixe:

—"Começam no Rio Paranapanema, 10 léguas mais ou menos acima de sua barra, descem por esse rio, até sua barra no Rio Paraná, sobe pelo Rio Paraná até o espigão do Rio do Peixe segue por este espigão e dividindo com as fazendas Boa Esperança do Aguapeí e Montalvão, até as cabeceiras do Rio Santo Anastácio, rodeando estas cabeceiras e dividindo com as fazendas Laranja Doce e Anhumas e até as divisas com a Fazenda Cuiabá, desce por estas até o Rio Paranapanema, ponto de partida dessas divisas." (Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Presidente Prudente - SP, Registro Imobiliário, da transação de terras entre a falida Cia. Dos Fazendeiros e o fazendeiro coronel Alfredo Marcondes Cabral, em 09 de janeiro de 1928, transcrita sob n. 5.091 no Livro 3-F, aos 11 de janeiro de 1928).

As atualizações mostraram a propriedade integral com 532 mil e 400 hectares, ou, em torno de 224 mil e 132 alqueires.

José Antonio de Gouveia, ou, Antonio José Gouveia, provadas inversões nominais em transcrições documentais com o sobrenome variável ou não para Gouvêa em ambos os casos, aos 11 de abril de 1861 transferiu sua posse, por título lavrado em Pirassununga, a favor de Joaquim Alves de Lima e sua mulher Julia Maria de Jesus.

Morto o Joaquim Alves de Lima, referido imóvel não constou em seu inventário, no entanto, sem contestação dos demais herdeiros, João Evangelista de Lima e sua mulher Maria Cândida intitularam-se possuidores de terras da 'Fazenda Pirapó/Santo Inácio', havidas por herança do finado pai e sogro Joaquim Alves de Lima, respectivamente, requerendo, aos 03 de maio de 1886, medição do referido imóvel junto ao juiz comissário de terras, tenente Graciano Franco Teixeira, de São José dos Campos Novos - atual Estância Climática Campos Novos Paulista.

Duvidou-se que o Joaquim Alves de Lima tenha, em algum tempo, adquirido a propriedade de José Antonio Gouveia, este tido figura imaginária, inexistente e, assim, reconhecida judicialmente pelo juiz de direito, depois desembargador, Alcides Ferrari (DOSP, Judiciário, 05/10/1957: 41); todavia se tem o testemunho de Antonio Botelho de Carvalho, sob juramento ao citado juízo comissário, quanto a posse exercitada 'documentalmente' pelo Gouveia naquelas terras, e depois o Alves de Lima, que de imediato repassara o imóvel ao filho, por ajustes em família.

Se pensava ser o Gouveia figura mítica ou criada por 'grileiros', até levantamento histórico, pelos autores, que o comprovaram real, não apenas conhecido de Antonio Botelho de Carvalho como igualmente vinculados por laços parenteiros, onde um filho do primeiro, de igual nome José Antonio Gouveia, casado com Maria Cândida de São José, sobrinha do segundo. O Antonio Botelho de Carvalho não viveria para isto, mas sua sobrinha, enviuvada, viria se casar com seu filho enviuvado, o coronel Joaquim José Botelho.

O juiz comissário, tenente Graciano Franco Teixeira, opinou favorável à legitimação da posse de João Evangelista de Lima, numa interpretação atabalhoada do registro paroquial e desconhecedor da região, invertendo posições no croqui/mapa da fazenda, com irregularidades absurdas, como o despejo do rio Paraná no Paranapanema, que, "como figura na planta, nasce na província de Mato Grosso [do Sul]" (Apud Denari e Barhum, 1998: 188), ou, de outra maneira, "o Rio Paranapanema cruza o rio Paraná e segue Mato Grosso adentro." (Leite - José Ferrari, 'A ocupação no Pontal do Paranapanema', São Paulo: Hucitec, 1998: 40, apud Feliciano - Carlos Alberto, 'O conflito como elemento chave na construção da região do Pontal do Paranapanema', 2013: 177 - Acta Geográfica: 167-186). 

O engenheiro José Ribeiro da Silva Pirajá, juiz comissário das comarcas de Lençóis e Botucatu, à frente da Comissão de Discriminação e Medição de Terras do Vale do Paranapanema, ao revisar Graciano Franco Teixeira, denunciou as tantas falhas jurídicas e técnicas:

—"Tamanhas e tão gritantes foram as irregularidades cometidas no processo administrativo de medição, que o então Governador - Prudente de Moraes, que, mais tarde, legaria seu nome à próspera cidade da Alta Sorocabana - após exame detido do processado, houve por bem, aos 22 de setembro de 1890, julgar imprestável e nula, de pleno direito, a medição do imóvel Pirapó-Santo Anastácio requerida por João Evangelista de Lima." (Denari e Barhum, 1998: 188, op.cit).

Para a fazenda Pirapó/Santo Anastácio, ocorreu, ainda, inquérito na Delegacia de Falsificações do Estado de São Paulo, quanto a autenticidade ou não do registro e a assinatura do frei Pacífico de Monte Falco, tendo os peritos apresentado laudo em 30 de outubro de 1930 (R-SNA... 1930: 174-175), e o Judiciário do Estado de São Paulo concluiu, forjicada a assinatura do vigário Pacífico de Monte Falco:

—"E para corroborar a imprestabilidade do título temos, nestes autos, o laudo do exame gráfico, demonstrando a falsidade do registro paroquial atribuído a José Antonio de Gouveia. O perito demonstrou cabalmente a falsificação da letra e da firma de Frei Pacífico de Monte Falco, que era vigário competente para o registro paroquial." (Juízo de Direito da Comarca de Presidente Prudente, dr. Francisco de Souza Nogueira, apud Denari e Barhum, 1998: 189, op.cit).

O Registro Paroquial de Terras correspondente ao nº 22, datado de 14 de maio de 1856, encontra-se no Livro nº 151, folhas 8 e 8-v°, em nome de Anna Joaquina de Souza, sobre posse em Ribeirão do Passa Três, distrito da Freguesia de São João Batista, Termo de Vila de Itapeva (TJSP, Acórdão 01994972, datado de 03/09/2008: 11).

—Embora falsa a assinatura do frei Monte Falco [Montefalco] a mesma teria sido reconhecida publicamente em tabelionato (O Estado de São Paulo, 05/10/1986: 38), mas isto trinta anos depois e feita por abono (DOSP, Judiciário, 05/10/1957: 41), quando muitas transações de terras já extraídas do todo e convalidadas, embora, parte seja área de intensos conflitos, ainda em 2018, no Pontal do Paranapanema.

—Levantamentos recentes pelos autores [SatoPrado] informam que no Registro Paroquial de Terras da Vila de Itapeva, nº 22, livro 1 - folhas 21 e 22, datado de 11 de setembro de 1855,  consta registro em nome de Salvador Ferreira Loureiro, por compra de dois sítios, um de José Rodrigues, [denominado] Terras Água Quente, em Taquari Mirim (bairro do Alegre); e outro de Antonia Maria, [por nome] Capão Grande, no Bairro da Lagoa Grande.

(Fonte: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/instrumentos_pesquisa/Indice_ITAPEVA%20DA%20FAXINA_livros_1_2_FINAL.pdf - cópia CD: A/A de27/09/2023).  

Com a impossibilidade para a legitimação da posse, em 1889 entrou em curso a combinação malandra entre João Evangelista de Lima e seu cunhado Manoel Pereira Goulart, através de escritura de permuta lavrada nas notas do Tabelionato de Santa Cruz do Rio Pardo aos 11 de janeiro de 1890, dos imóveis Pirapó/Santo Anastácio e a Peixe/Boa Esperança do Aguapeí, pretensamente de Goulart, mediante 'grilo', dimensionada pelo mesmo citado juiz comissário, tenente Graciano Franco Teixeira, à mesma maneira indeferida a legitimação pelas autoridades competentes.

Manoel Pereira Goulart era casado com Militania Candida Marques, irmã de João Evangelista de Lima.

Quando do indeferimento governamental para a Fazenda Pirapó/Santo Anastácio, aos 22 de setembro de 1890, referido imóvel já pertencia ao agrimensor Goulart, enquanto João Evangelista estava de posse da Fazenda Rio do Peixe/Boa Esperança do Aguapeí:

—"(...) o imóvel Pirapó-Santo Anastácio, por escritura pública lavrada nas notas do Tabelião da Vila de Santa Cruz do Rio Pardo, Livro n. 27, fls. l/2v, de 11. 1. 1890, devidamente transcrita sob n. 806, em data de 17 de janeiro do mesmo ano, o imóvel Pirapó-Santo Anastácio foi transmitido em sua integridade a Manoel Pereira Goulart, (fls. 5. 570)" (1º Tribunal de Alçada Civil, Nona Câmara: Acórdão, Autos de Apelação 808.933-2, 19 de fevereiro de 2002, página 33).

A 17 de setembro de 1892, José Garcia Duarte de Oliveira e Jeronymo Alves Pimentel, com as respetivas esposas, herdeiros de Joaquim Alves de Lima, ratificaram a escritura lavrada a favor do casal Manoel Pereira e Militania Candida Marques, no 1º Tabelião da Comarca de Campos Novos do Paranapanema, hoje Estância Climática Campos Novos Paulista.

Goulart, no ano de 1890, valeu-se da legislação baixada pelo Governo Republicano, Decreto nº 528 de 28 de junho de 1890, para protocolizar junto ao Ministério da Agricultura, intenções de assentamentos de imigrantes na fazenda Pirapó/Santo Anastácio, contrato celebrado aos 09 de dezembro de 1890 (Apud Relatório do Ministério da Agricultura - RJ, 1890/1927: 82 - 2, rolagem 87/791).

Não cuidou o Ministério da Agricultura que a escritura lavrada nas notas do tabelião da Vila de Santa Cruz do Rio Pardo, aos 11 de janeiro de 1890, não tinha validade jurídica, carente pois de legitimação, ou seja, Goulart não possuía terras legalizadas, mesmo assim, a fazenda Santo Anastácio, com 456.672,5 hectares de terras, figurou no mapa demonstrativo dos concessionários da fundação de núcleos coloniais em terras particulares, classificada pelo Aviso de 28 de fevereiro de 1891 (Relatório do Ministério da Agricultura - RJ, 1890/1927: 115 - rolagem 409/1149), caducado a 26 de dezembro de 1893.

Mas, o contrato firmado era o quanto precisava o Goulart, conquistando força de legitimação da posse para partilhar o latifúndio e iniciar vendas de fazendas aos interessados, mas à frente os negócios estava sua mulher Militania Candida Marques, posto insano mental, cessando-lhe em julho de 1891 as procurações outorgadas, sendo oficialmente decretada sua interdição aos 06 de outubro do mesmo ano (Apud O Estado de São Paulo, 15 de dezembro de 1915: 8).

Goulart foi internado por problemas mentais no Hospital Juqueri, em São Paulo, onde faleceu aos 14 de março de 1909. 

D. Militania Cândida Marques, conseguiu mediante alvará judicial, em 1908, alienar à Companhia dos Fazendeiros de São Paulo, dois terços do que restava da Pirapó/Santo Anastácio, de acordo com escritura lavrada em São Paulo, datada de 5 de outubro daquele ano, pelo 2.º Tabelionato.

Desta maneira foram transferidos à Companhia dos Fazendeiros de São Paulo 100 mil alqueires paulistas de terras, ainda restando aos herdeiros de Goulart outros 90 mil, inclusos 28 mil alqueires alienados a proprietários particulares, com títulos de domínios ainda que controvertidos.

Falências de empresas e arremates de partes das terras da fazenda Pirapó/Santo Anastácio não interessam neste capítulo.

Após instalação e êxito da Companhia de Fazendeiros, outras empresas do ramo acorreram para a região, dando surgimentos a Presidente Prudente, Presidente Bernardes, Presidente Venceslau, Presidente Epitácio, Álvares Machado, Santo Anastácio, Piquerobi, Caiuá, Teodoro Sampaio, Marcondes, Taciba, Regente Feijó, Pirapozinho, Narandiba, Sandovalina, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema entre outras.

O que restou da Fazenda Pirapó/Santo Anastácio, desde então, tem sido violenta área de disputa entre fazendeiros e sem terras, tendo o manifesto do MST - Movimento dos [Trabalhadores Rurais] Sem Terra, em cima de judicial:

—"(...) a Pirapó-Santo Anastácio, extremo oeste puro, é o próprio Pontal do Paranapanema. (...) que em sentença judicial de 29 de julho de 1980, encerrando um processo iniciado 23 anos antes, o juiz de Mirante do Paranapanema dá a seguinte sentença: Declaro devolutas e pertencente ao domínio do Estado as terras contidas no 14º perímetro desta comarca de Mirante do Paranapanema" (MST - Pontal, 2005: 8).

A sentença, porém, não teve nenhum efeito prático, e a União Democrática Ruralista, UDR, contestou: "No entanto impõe-se ponderar que isso não é moral e nem justo com aqueles que estão trabalhando, por si e antecessores, por período superior a um século nessas terras, munidos de títulos de propriedade que o próprio Estado colaborou na sua formação (Neves Baptista, 2003: 2).

A região ainda vive (ano de referência 2020) conflitos entre os ruralistas e os sem terras, bastante distante de bons termos, não nos cabendo mérito de juízo, assim nada mais a acrescentar quanto a Pirapó-Santo Anastácio.


2.8.2. Fazenda Boa Esperança do Aguapeí

O agrimensor Manoel Pereira Goulart, em 1886 requereu legitimação de terras, para a fazenda denominada Boa Esperança do Aguapeí, onde disse residir com a esposa e filhos, de forma harmoniosa e pacífica desse 1850, atuando nas lavouras do café e cana-de-açúcar.
As dimensões desta fazenda jamais tiveram um consenso, de onde o seu início e fim, variáveis conforme aconteciam as descobertas territoriais para o denominado 'Vale do Feio/Aguapeí'.
Ainda nos últimos anos século XIX os cartógrafos tinham que o Feio, de leito acidentado com dezenas de corredeiras, após um salto, hoje denominado 'Dr. Carlos Botelho', rumava ao Tietê, onde fazia barra; enquanto o Aguapeí se iniciava após a queda d’água e rumava para o Paraná. Somente depois de 1905 se deu conta que o Feio e Aguapeí eram um só rio.
Então, a fazenda pretendida por Goulart seria aquela parte considerada o Aguapeí, propriamente dito, com desague no Paraná, pelo qual a descer até se confrontar com o suposto rio Pirapó, em verdade o Peixe, que também não se conhecia na época, e que sofreria as mesmas alterações de territorialidade conforme acontecidas as descobertas.
—Os antigos tão logo conheceram as nascentes do Peixe imaginavam que o seu curso, ao norte, juntava-se ao Feio em direção ao Tietê, descrição obviamente errada, mas era o que se pensava na época.
Mais adiante no tempo, praticamente conhecidas as dimensões dos Vales do Peixe e do Feio/Aguapeí, alguns grileiros intentaram uma propriedade inédita denominada Fazenda Rio do Peixe/Boa Esperança do Aguapeí.
O agrimensor Manoel Pereira Goulart, ao falsear declaração de ser ele o posseiro primitivo do Vale Aguapeí, foi incapaz de detalhar as dimensões e os principais acidentes geográficos do todo pretendido, e, então, o mesmo juiz comissário de terras para a fazenda Pirapó/Santo Anastácio, tenente Graciano Franco Teixeira, assumiu a medição, divisão, e descrição das terras em questão, propondo a legitimação em conformidade com os documentos apresentados pelo requerente Goulart.
Diante dos expedientes cartoriais forjados, o governo da província paulista, pelo Visconde de Parnaíba - Antonio de Queiroz Teles, ao declarar, em 1886 a imprestabilidade dos documentos juntados para a legitimação da posse, mandou processar criminalmente, junto ao juízo de direito da comarca de Lençóis Paulista, o pretenso dono das terras, o escrivão que lhe fornecera os apontamentos falsos para motivar a ação (Arruda Sampaio, apud Ribeiro e outros), além do juiz comissário.
Para as autoridades era evidente que Goulart jamais havia dimensionado a propriedade nem estabelecidas suas reais confrontações; sequer a conhecia de fato.
Com o indeferimento da legitimação da fazenda Boa Esperança do Aguapeí, e, prevendo-se o mesmo destino para a Pirapó/Santo Anastácio, em 1889 os cunhados Manoel Pereira Goulart e João Evangelista Alves de Lima, de comum acordo com o tabelião José Manoel de Almeida, permutarem entre si as duas fazendas, conforme documento lavrado em Santa Cruz do Rio Pardo aos 11 de janeiro de 1890, de maneira quando do indeferimento governamental para a Fazenda Pirapó/Santo Anastácio, aos 22 de setembro de 1890, esta já pertencia ao agrimensor Goulart, enquanto João Evangelista na posse da Boa Esperança do Aguapeí.
Mesmo sabendo griladas as terras das fazendas Boa Esperança do Aguapeí e a Pirapó/Santo Anastácio, pela escritura de permuta de uma pela outra, segundo opiniões abalizadas, ambas as propriedades não se classificavam devolutas, encontrando-se sob domínio privado, portanto, fora do alcance do estado, e, neste sentido, mais adiante, o 'Aviso nº 3 do Ministério da Fazenda, de 23 de julho de 1901, a qualificar como terras devolutas, somente aquelas sobre as quais jamais exercido o direito de posse ou propriedade' (O Estado de São Paulo, 24 de fevereiro de 1935: 16).
Certo, havia uma escritura de permuta entre ambas as propriedades, sujeitas a contestações, reivindicações de terceiros e do próprio estado, pelo direito comum, mas, os governos federal e estadual, muito mais interessados na povoação sertaneja, com fundações de cidades, e produção agropecuária em grande escala, justificando, destarte, as interiorizações ferroviária e rodoviária, para o incremento do comércio de exportação, ou, de explorações pelas nações ricas estrangeiras, deixaram acontecer.
Para o João Evangelista de Lima, na qualidade de novo proprietário da Fazenda Rio do Peixe/Boa Esperança do Aguapeí, o gesto do poder público paulista, lhe fora beneplácito, pela Lei nº 323, de 22 de junho de 1895, em seus respectivos enquadramentos, sobre legitimação ou revalidação das posses e concessões, e, depois, a Lei n.º 545, de 02 de agosto de 1898, que declarou legitimadas todas as posses adquiridas por títulos até a promulgação da citada lei 323.

2.8.3.  Os 'grilos filhos' da Pirapó/Santo Anastácio e Boa Esperança do Aguapeí 
- O 'grilo mãe'
A Companhia dos Fazendeiros de São Paulo, que por escritura de transmissão de propriedade, de cinco de outubro de mil novecentos e oito, lavrada nas notas do 2º tabelião de São Paulo, adquiriu de Manoel Pereira Goulart e de sua mulher Militania Cândida Marques dois terços da Pirapó/Santo Anastácio, em torno e 100 mil alqueires, de 24.200 metros quadrados cada, deixando livres outros 28.000 alqueires objeto de alienações anteriores (DOSP, 11 de fevereiro e 1919: 926), além da parte reservada à família de Goulart.
Dos 28 mil alqueires figuravam condôminos João Rodrigues Tucunduva - fazenda Mont'Alvão ou Peixe; João Evangelista de Lima, Marcolino Alves com repasse a Henry Aroux, e dos herdeiros/sucessores do capitão João Joaquim de Araujo Vieira, das partes extraídas da fazenda Boa Esperança do Aguapeí; coronel Arthur Ramos e Silva, residente em Recife (Pernambuco), doutor Arthur Ramos e Silva Junior e doutor Luiz Ramos e Silva, tidos proprietários da fazenda, Ribeirão Claro, num enclave entre a Boa Esperança do Aguapeí e a Mont'Alvão; Companhia de Viação São Paulo/Mato Grosso - fazendas Laranja Doce e parte da Anhumas; coronel Bento José de Carvalho e Emiliano Martins, de frações da Anhumas.
Estes nomes, ainda que discutíveis, são donos das propriedades citadas.
Nenhuma propriedade na região teve domínio manso e pacífico. Como exemplo cita-se a reivindicação judicial dos herdeiros e sucessores de Graciano Francisco Teixeira, sem efetivamente localizar ou saber as dimensões das terras, para a anulação da escritura de compra que fizera o Henry Auroux do vendedor Marcolino Alves:
—"(...) metade da fazenda da Fazenda Boa Esperança do Aguapey, sita em Assis, comarca deste Estado, correspondente a cento e dez mil alqueires mais ou menos, dos quaes são os requerentes senhores e possuidores a muitos annos, como legítimos e únicos sucessores de Graciano Francisco Teixeira, que os houve por compra a João Evangelista de Lima." (O Estado de São Paulo, 19 de novembro de 1919: 9, edital de protesto).
Das sobras para os Goulart, 62 mil alqueires - alguns os somam aos 28 mil alienados, portanto 90 mil, ainda palco de desordens na região [referência 2018]. Tudo 'grilo'.

- O 'grilo filho' - fazenda Caiuá/Veado
A divisão da fazenda Boa Esperança do Aguapeí seria nula a todos os pretendentes posseiros, herdeiros e sucessores, postos falsos os títulos de posses e propriedades, caracterizado como 'grilo mãe', que viria dar origem a outros 'grilos' - os 'grilos filhos' dentro da mesma gleba.
A mais emblemática representação de um 'grilo filho' foi a fazenda denominada Caiuá/Veado
O tenente Graciano Francisco Teixeira, juiz comissário de terras, era comparsa de João Evangelista de Lima e de Manoel Pereira Goulart, e a ele o João Evangelista simula venda de uma sorte de terras, em que figura mais um sócio, o capitão João Joaquim de
Araujo Vianna para a denominada fazenda Caiuá/Veado, área de 20.426 alqueires, excluída da transação Pirapó/Santo Anastácio com a Boa Esperança do Aguapeí, e mesmo da divisão desta última.
O Estado de São Paulo, de 24 de março de 1935: 18, em letras garrafais, "A falsidade dos títulos da fazenda Bôa Esperança do Aguapehy - RIBEIRÕES CAIUÁ E VEADO - CONTRA PROTESTO DA FAZENDA DO ESTADO."

- O outro grilo filho' - Fazenda Paranapanema
Quando Theodoro pretendeu avançar posses adiante da Água Boa ou do Ribeirão das Anhumas, lá encontrou dizendo-se apossador primário o seu sobrinho e procurador João da Silva e Oliveira.
Depreende-se que Silva e Oliveira pretendeu suas as terras paulistas a partir de duas léguas abaixo do fronteiro Tibagi com divisa terminal, descendo o Paranapanema, até por baixo do Ribeirão Cuiabá, e entre os dois extremos as águas, entre outras menores: Figueira, Água Boa, Valentim, Congonhas, Jaguaretê, Laranja Doce, Laranja Azeda, Anhumas, Rebojo, Água Mansa, Tango, Veados, Antas, Pirapozinho - defronte a barra do paranaense Pirapó, Queixadas, Jacutinga, Rio Bonito e o Cuiabá.
Tais demarcações fizeram parte de uma escritura particular, datada de 11 de janeiro de 1853, 'sisada' - pago o imposto de transmissão, na qual José Theodoro de Souza e sua mulher Francisca Leite da Silva vendem aquele todo a João da Silva e Oliveira.
As terras teriam sido pressupostamente legitimadas satisfazendo os artigos 22 e 23 do Decreto 1318, de 1854, posteriormente contestadas, a princípio pelas omissões das efetivas confrontações entre os vendedores e o comprador, e do efetivo extremo abaixo de uma cachoeira, dito abaixo do paranaense Pirapó, sem precisar que tal acidente geográfico se situava no Ribeirão Cuiabá.
Os defeitos demarcatórios foram corrigidos, numa outra escritura, datada de 04 de outubro de 1868, transcrita aos 03 de julho de 1880, sob nº 240, no Registro de Imóveis da Comarca de Lençóis Paulista, excluídas as partes já anteriormente alienadas, observando-se, aí, a contenciosa Fazenda Pirapó/Santo Anastácio.
A transcrição da escritura de 1868 mencionava que a largueza das terras se confinava, pelo leito do Paranapanema, com a contravertente do Rio do Peixe - somente em 1880/1882 descoberto na plenitude por Francisco de Paula Moraes, e adiante pelo espigão do Santo Anastácio.
A esta propriedade denominou-se Fazenda Paranapanema, comprovadamente posse ilegal e inteiramente maquiada nos cartórios, e que, destrinchadas as documentações para as partes subdivididas conhecidas entre outras as propriedades Rebojo, Santo Inácio, Taquarussu, cujas escrituras, na quase maioria, 'esquentadas' em cartório de Santa Cruz do Rio Pardo.
Estas articulações tornaram-se públicas em 1930, quando no Fórum da Comarca de Santo Anastácio - SP, o advogado, capitalista e fazendeiro, Labieno da Costa Machado - fundador da cidade de Garça - SP, processou os termos de uma ação demarcatória com queixas de esbulho, reivindicando como suas as terras da Fazenda Paranapanema, e retirada de invasores ou adquirentes de boa-fé de títulos imprestáveis. Costa Machado juntou ao processo documentos que seu pai, José da Costa Machado e Souza, havia adquirido, em 1887, as pretensas terras dos herdeiros de João da Silva e Oliveira (DOSP, 20/10/1939: 30-35).
Partes da Fazenda Paranapanema, já anteriormente legitimadas, não foram incluídas na petição de Labieno, ou então exclusas na tramitação processual, e aquelas questionadas, mais ao oeste paulista, concentração maior nos municípios de Presidente Prudente e Presidente Wenceslau, que se somaram às áreas da Pirapó/Santo Anastácio, ainda hoje região de atritos entre fazendeiros e 'sem terras'.

3. Divisas municipais

O município de Santa Cruz teve suas divisas estabelecidas pela Lei Provincial nº 51, de 11 de maio de 1877, discordada pela Câmara Municipal de Santa Bárbara {Estância Hidromineral Águas de Santa Bárbara], por considerar tal lei indefinida quanto ao seu município, e ainda em relação a Espírito Santo da Fortaleza (Bauru) e Lençóes (Lençóis Paulista). Percebe-se na pretensão a ausência da localidade de Espírito Santo do Turvo.  Desta maneira a Lei Provincial nº 79, de 21 de abril de 1880 reviu e declarou as divisas entre os municípios Santa Cruz do Rio Pardo, Santa Bárbara do Rio Pardo, Espírito Santo da Fortaleza e Lençóes:

—"Começarão na Serra dos Agudos a frontear a cabeceira do rio Alambari, por este abaixo até o rio Turvo, d’aqui à foz do ribeirão dos Cubas, por este acima até sua cabeceira, desta ao espigão, deste à rumo a procurar a barra do ribeirão Lageadinho no rio Pardo, pelo Lageadinho acima até sua cabeceira, dahi ao espigão que converte para o rio Paranapanema, subindo pelo espigão até enfrente a cabeceira do córrego do Rosário, por este baixo até fazer barra no rio Novo, atravessando este e o rio Pardo a procurar o rio Claro, por este acima até a barra do rio Turvinho, ficando comprehendida nestas divisas a Fazenda do Capitão Pedro Dias Baptista."

A lei nº 79 era confusa. Ao dar para Santa Cruz as divisas com Santa Bárbara e Lençóes, ao mesmo tempo revogava, erroneamente, o parágrafo 1º da lei 51 de 1877, e não estabelecia as confrontações com São Sebastião do Tijuco Preto [Piraju].

Santa Bárbara do Rio Pardo opôs-se a esta divisão, não pela ausência dos limites entre Santa Cruz e Piraju, e sim pela anexação da região de Espírito Santo do Turvo ao território lençoense (ALESP, EE 83_022.3) além do entendimento, que sua divisa com Santa Cruz do Rio Pardo deveria ser revista:

—"Principiando no lugar da barra no ribeirão dos Cubas, com o rio Turvo, subindo p. aquele athe a cabeceira da qui ao espigão, quebrando a esquerda sempre pelo espigão, athe frontear a barra do lagiado, no riopardo, atravessando este, subindo por aquele contudo qto. vista athe a cabeceira da qui ao espigão q. contraverte com o Paranapanema, quebrando asesquerda sempre pelo espigão, athe frontear a Cabeceira do Corrigo do rozario, dessendo pr. este a lhe fazer barra no rio novo atravessando athe o rio-pardo a procurar a barra do ribeirão Turvinho no rio Claro Compriendendo as Fazendas de Tente. Coronel Pedro Dias Baptista a lem mais a do Porfirio Dias Baptista Aires, subindo pelo Turvinho athe a Cabeceira da qui ao espigão da Serra do Agudos dessendo pelo fio da Serra athe frontear a Cabeceira do rio Alambary, ficando a Fazenda do Dr. Francisco Martins da Silva pertencendo pa. Villa de Lençoes, dessendo pelo Alambary athe a barra do ribeirão dos Cubas, aonde teve principio e fim ficando dentro de estas divizas as cabeseiras do Olio e a barra grande, a sim a Freguezia de Espirito Sto. do Turvo, pois q. esta fundada no sentro d’estas divizas." (ALESP, EE. 83_22.2, expediente da Câmara Municipal de Santa Bárbara, de 10/02/1883).

Já em 1882, o Projeto Legislativo nº 14, do deputado Emygdio José da Piedade procurava restaurar a Lei 51, de 1877, e um quinquênio depois tornou-se a Lei Provincial nº 18, de 17 de março de 1882, com artigo único: "Fica restaurada e em vigor a lei n 51, de 11 de Maio de 1877 e revogado o art.1º, § 1° da de n. 79, de 21 de Abril de 1880."

O assunto parecia esgotado, no entanto Santa Barbara manteve a insistência até que se resolveu pela edição da Lei Provincial nº 15, de 19 de fevereiro de 1885, para colocar em seu território a fazenda Novo Niagara, de José Alves de Cerqueira Cezar.   Depois o Decreto nº 208, de 06 e publicado aos 14 de junho de 1891:

"(...) desanexa do município de Santa Bárbara e anexa ao de Santa Cruz do Rio Pardo a Fazenda denominada Novo Niagara. Sem revogação expressa", num acerto para amparo ao Decreto nº 205, de 06 de junho de 1891, que criava "o Distrito de Paz de Óleo, no município de Santa Cruz do Rio Pardo, fazendo parte dele a propriedade agrícola Novo Niagara."

Das aspirações de Santa Bárbara do Rio Pardo pelo território da Freguesia de Espírito Santo do Turvo, disputando com Lençóis Paulista, Santa Cruz do Rio Pardo e a própria localidade pleiteada, encerrou-se em 1889, pelo Projeto Legislativo nº 126:

—"Artigo 1º - As Fazendas denominadas Capivary e Barreiro, pertencentes ao Capitão José Rodrigues d'Oliveira Coutinho, situadas nas divisas da Parochia de Santa Barbara do Rio Pardo, bem como a parte da Fazenda Santa Clara, situada na divisa de Santa Cruz do Rio Pardo, pertencente ao mesmo Capitão Coutinho, ficão desmembradas d'aquelas Parochias e passão a pertencer a do Espirito Santo do Turvo."

Divisões Administrativas de 1911 para o Estado de São Paulo, revelam o sucesso do projeto.

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Contato: pradocel@gmail.com