Santa Cruz do Rio Pardo, primeiros tempos - uma crônica de 1887
Ha ja muitos annos, o velho e estimado sertanejo Manoel Francisco [Soares] habitante quase unico neste vastissimo e então inculto sertão, luctando sempre com a horda de indigenas ferozes que infestavam estas paragens e sempre victima, sem tranquilidade de espirito e privado, por isso mesmo, de trabalhar desembaraçada e convenientemente em sua lavoura, resolveu attrahir a attenção publica para este ponto do sertão, e captar immigrantes que o coadjuvassem na lucta cruenta, que a longos annos mantinha com os indios bravios.Depois de reflectir e por muito tempo estudar qual o melhor plano a adoptar para attingir esse escopo, em boa e feliz hora Manoel Francisco, em occasião em que tinha a vista presa em uma cruz de madeira, que orgulhosamente se ostentava na beira do terreiro de sua habitação, como recordação dos soffrimentos do Salvador e Redemptor da humanidade, costume ainda hohe adoptado em nossos sertões, resolveu fundar uma povoação sob a invocação de Santa Cruz.Em boa e feliz hora, concebeu elle essa inspiração e pô-la em execução.Para iniciar a povoação, fez doação de boa porção dos terrenos que possuia do lado direito do ribeirão no Rio Pardo, para patrimonio, e nelle construio uma pequena capella, que cobrio com taquáras rachadas e sobre-postas umas ás outras, dando-lhe o nome Capella de Santa Cruz. E desde então ficou a Santa Cruz como sendo a padroeira da povoação.No decurso de alguns annos, depois da construcção da Capella, conseguio o velho Manoel Francisco, acercar-se de destemidos sertanejos, os quaes accedendo aos seus instantes e reiterados convites para aqui immigraram, povoando o terreno do patrimonio e mesmo os de propriedade particular do doador, que os dava gratuitamente a todos que os quizessem para nelles trabalhar.Nessa época o Padre João Domingues Figueira, de saudosissima lembrança, era vizinho de Manoel Francisco, e muito concorreu para execução do plano adoptado pelo sertanejo. Foi elle quem mandou fazer a primeira rouçada nos terrenos doados para o patrimonio, e, ainda sob suas vistas e conselhor foi levantada a Capellinha. O Padre João Domingues Figueira, foi ainda o primeiro sertanejo que fez um rancho de páos a pique, coberto como a Capella, com taquáras sobre-postas, nos terrenos do patrimonio, mudando para alli sua habitação. Esse rancho digno de nota pela sua originalidade e esquisita construcção, existio até o anno de 1878, sem soffrer em todo o seu conjucto [conjunto] reforma alguma. Nesse anno, qual velho decrepto, o pequeno rancho escorado de todos os lados para não cahir, servio ainda de habitação ao seu proprietario, já então vigario da igreja e da vara e um dos mais ricos e bastados fazendeiros do Municipio.Erigida a Capellinha e nela colocada uma grande Cruz e a imagem de S. Sebastião, soberba imagem doada pelo mesmo fundador, ahi Manoel Francisco, sua numerosa familia, e todos os já então habitantes deste sertão e dos terrenos do patrimonio, se reuniam, e, em fervorosas orações, acompanhavam o virtuoso em sua supplica ao Creador e Redemptor da humanidade.As cousas assim continuaram, todos em perfeita harmonia, collaborando reciprocamente nos melhoramentos e augmentos da sua povoação.Em 1872, tanto já havia prosperado a povoação e tão grande era o numero de pessoas que habitavam esta zona e que trabalhavam por vêl-a prospera e desenvolvida, o cidadão Joaquim Manoel de Andrade, respeitavel e respeitado por todos pelas suas bellissimas qualidades e por ser o fazendeiro mais abastado d'entre todos os criadores e agricultores, conseguio que a povoação fosse elevada á categoria de freguezia, sob a denominação de Santa Cruz do Rio Pardo, por estar o povoado na margem direita deste rio. Nesse mesmo anno foram nomeadas as respectivas autoridades policiaes: Subdelegado de policia, Francisco de Paula Martins; Supplentes do mesmo, Luiz Antonio Rodrigues, Manoel Garcia de Oliveira, Fortunado Rodrigues da Costa.A parochia foi confiada á deligente e criteriosa direção daquelle virtuosissimo sacerdote, Padre João Domingues Figueira, que nella se conservou como vigario da igreja e vara até o seu fallecimento, em 1878, substituindo-o nesse mesmo anno, o Padre Antonio Manoel Bicudo, apenas por espaço de 15 dias.Deixando a parochia o Padre Bicudo, que retirou-se para S. Paulo, foi nomeado para ella o Padre Prospero Antonio Iorio, Italiano e Brazileiro naturalisado.Em Agosto de 1883, épocha em que tendo aqui reunido bom peculio deixou a igreja o Padre Prospero, retirando-se para a Italia, foi ella novamente provida com o actual vigario, Padre Bartholomeu Comenale, tambem italiano, um dos mais preciosos ornamentos do clero catholico.Em 1872, conseguida a elevação da povoação á categoria de freguezia, nomeadas e impossadas as autoridades policiais e o vigario, o jubilo foi geral e todos possuindo-se do nobre e elevado intuito de concorrerem para o melhor desenvolvimento moral e material, notadamente o prestioso e já popularissimo cidadão Joaquim Manoel de Andrade, não pouparam esforços e sacrificios.Já aquella pequenina Capella lhes parecia insufficiente e pouco decentepara ponto de reunião de fieis, reedificaram-n'a, adornando-a melhor e de maneira decente; então foi ella conerta com telhas, pois a primitiva conservava a sua exquisita cobertura de taquáras. Iniciou-se a construção de boas casas, em fórma de casas e não mais aquelles pequeninos ranchos de páo a pique, cobrindo-as com boas telhas, construindo o cidadão Andrade para sua moradia, uma casa grande e de aspecto elegante, uma das melhores entre as boas casas hoje existentes na povoação.Os ranchos desde então foram esquecidos e, podemos affirmar, Santa Cruz do rio pardo nasceu em 1872, sendo desde então rapido o seu progresso e admiravel os melhoramentos que tem recebido.Foi elevada a freguezia á catergoria de villa, em 1876, sendo nesse mesmo anno, elevado o Municipio á categoria de termo, com fôro civil e conselho de jurados.A eleição dos vereadores para a Camara Municipal, effectuou-se no dia 15 de outubro, sob a immediata direcção e fiscalisação do deputado provincial Coronel Emygdio José da Piedade, o qual, transferindo para aqui, nesse anno, a sua residencia, adoptou como filha esta nascente e propsera povoaç~sao, imprimindo-lhe desde logo esses melhoramentos e fazendo della, dessa indigena, uma villa importante e já civilisada.É Santa Cruz do Rio Pardo, actualmente, uma das melhores e mais importantes povoações sertanejas.A Camara então eleita, compunha-se dos seguintes Vereadores:—Joaquim Manoel de Andrade, Luiz Antonio Rodrigues, Luiz Antonio Braga, João Bonifacio Figueira, Fermino Manoel Rodrigues, Manoel Candido da Silva, e Claudino José Marcos [Marques].Secretario, João Americo Bressane; Procurador, José Garcia de O. [Oliveira] Netto; Fiscal, João Evangelista da Silva; Porteiro, Joaquim de A. Prado.Juizes de Paz:—1º Joaquim Manoel de Andrade; 2º Luiz Antonio Rodrigues; 3º Domingos José de Andrade; 4º Manoel Candido da Silva.Nessa épocha, a ultima agencia postal era na villa de Lençóes, a 18 legoas de distancia, onde commerciantes e habitantes desta villa mandavam receber e levar as suas correspondencias; e mesmo em Lençóes o correio então sómente era recebido de 10 em 10 dias; e difficilimo eram os meios de communicação com as povoações vizinhas, devido a falta absoluta de estradas, que ligassem umas ás outras. Pois bem, os esforços da população reforçados pela solicitude, zelo e dedicação do Exm. Coronel Emygdio José da Piedade, desde então e ainda hoje deputado provincial, puzeram cobro a essa estado calamitoso.Ainda, em 1876, foi nesta villa creada e installada uma agencia postal, e desde então boas estradas tem sido abertas, ligando as vizinhas povoações.Para cargo de agente do correio foi nomeado o Exm. Coronel Emygdio José da Piedade, que acceitou, servindo ocargo gratuitamente, sem remuneração de especie alguma até o fim de 1879, épocha em que foi exonerado por seus adversarios politicos, então no Governo.Em 1877, em Outubro, foi installado o termoi, com as seguintes autoridades e empregados:[-] Juiz Municipal e de orphãos, 1º Coronel Emygdio José da Piedade, 2º Alferes Antonio Caetano de Oliveira, 3º Luiz Antonio Braga,[-] Delegado de Policia, Joaquim Manoel de Andrade.[-] Supplentes do mesmo: Luiz Antonio Rodrigues, 2º Manoel Garcia de Oliveira, 3º Fortunato Rodrigues da Costa.[-] Escrivão do civil, crime e tabelião, José Manoel de Almeida.[-] Escrivão de orphãos, Galdino Carlos da Silveira.Providos em 1878.[-] Official de justiça, Eduardo Bressane Leite.Em 1878 foi creado e provido o logar de agente da collectoria das rendas geraes de Lençóes, sendo nomeado agente Eloy Rodrigues da Costa, que deixou pouco tempo depois o exercicio, sendo então nomeado para substituil-o Manoel Luiz de Souza, que no dia 1º de Junho de ste ano (1886) passou a exercer o cargo de escrivão da collectoria desta mesma villa, com o collector Joaquim Manoel de Andrade, épocha da installação da collectoria de renda geraes deste Municipio.Em 1884 foi o termo elevado á categoria de comarca pela lei provincial n. 7 de 13 de Fevereiro, continuando entretanto o termo anexado á comarca de Lençóes por falta de verba orçamentaria e nomeação das respectivas autoridades.Trata-se de construir uma nova igreja, que offereça aos fies [fieis]melhor commodidade e em fórma mais decenete que a actual matriz. Mas, para que o templo existente continue a servir até a realisação da construcção que se projecta, resolveu o digno vigario Padre Bartholomeu Comenale, consertal-a fazendo nella os reparos, forro e obras d'arte necessarios para sua util conservação, fazendo tambem um noovo frontespicio e augmentando em seu comprimento mais 4 metros.Para a nova igreja, além do imposto municipal de capitação [captação] sobre os habitantes desta parochia, imposoto que por si só deixará uma soffrivel receita annual, ha auxilio dos fieis e da provincia, sendo por isso possivel a realisação do projectado edificio.
AGUA POTAVEL
Com auxilio dos cofres provinciais e da camara deste Municipio, cheia de coragem e de zelos pelo progresso e melhoramentos da povoação, conseguio encaminhar as aguas do Ribeirão S. Domingos, trazendo-as de distancia superior a 6 kilometros ao ponto mais elevado da povoação, podendo assim, como acontece já, serem ellas approveitadas por todos os habitantes da povoação.Não basta, porém, o que já está feito, é mister que as aguas sejam convenientemente canalisadas, que se façam depositos e chafarizes, em logares apropriados.Consta que a illustrada edelidade [edilidade] pretende dentro em pouco tempo concluir todos esses indispensaveis serviços, esperando sómente receber mais um pequeno auxilio da provincia para reforçar as suas diminutas rendas dadas á applicação desse melhoramento.CADÊA E CASA DA CAMARAÁ expensa da provincia acha-se em via de conclusão o bello edificio destinado para cadêa, sala da camara, audiencia, jury, etc. etc., o qual ha mais de um anno que ha sido utilisado pela camara e outras autoridades, sendo-o também agora em Agosto, pelo douto Juiz de Direito da Comarca, com as sessões do jury. Com pequeno dispendio de um conto de réis si tanto, este edificio ficará perfeitamente acabado, pois bem poucas são as obras que elle necessita.PONTE SOBRE O RIO PARDOO Presidente da Provincia, sob requisição da Camara Municipal, ordenou a factura de uma ponte sobre o Rio Pardo, nesta villa, na rua do Andrade; estando para isso autorisado pela Assembléa Provincial no orçamento vigente. A realisação dessa obra se impõe urgentemente no espirito publico, como necessidade inadiavel e indispensavel para melhoramento da povoação.Outras, e não menos importantes, além das obras publicas referidas, formam o ideal da nossa edealidade, taes como: —mercado, matadouro publico, edificios para escólas publicas, etc., mas todas vão sendo adiadas pelas dificuldades que tem a camara encontrado quando se trata de receber os auxilios prestados pela Assembléa Provinciais ás obras publicas do Municipio.Não obstante, tal tem sido o zelo, boa vontade e actividade da camara, que talvez, dentro em pouco tempo, todas essas obras projectadas estejam convenientemente realizadas.A installação desta camara e a approximação da ferro-via Sorocabana farão de Santa Cruz do Rio Pardo, como dissemos, se reevele, como actualmente é já uma das mais prosperas e adiantadas povoações do sertão.ACTUALIDADE[1] Administração de justiça—JUIZ DE DIREITOJoaquim A. do Amaral Gurgel, Dr.—Juiz MunicipalMarcolino Pinto Cabral, Dr.—Supllentes1º João Baptista Botelho.2º Antonio de Souza.3º Francisco Martins.—Promotor PublicoSimeão Eugenio de O. Lima, Dr.—Escrivão do juryJosé Manoel de Almeida.—Escrivão de orphãosManoel Pereira Tavares.—ContadorJosé Sebastião de Almeida.
[2] Policia—DELEGADOLuiz Antonio Rodrigues.—Supplentes1º Arlindo Crescencio da Piedade.2º João B. de Oliveira Mello, Alf.3º José Antonio de Andrade—SubdelegadoFirmino Silverio de Andrade.—Supplentes1º Delfino Z. da Silva e Oliveira.2º Francisco Candido da Silva.3º Jonas Botelho de Souza.—Escrivão da delegaciaJosé Manoel de Almeida.—Escrivão da subdelegacia e de pazFaustino Correa de Salles.—Juizes de paz1º Emygdio José da Piedade, Cel.2º Luiz Antonio Rodrigues.3º Firmino Manoel Rodrigues.4º Raphael Silverio de Andrade.—AudienciasTodas as autoridades dão audiencias ás segunda-feiras, no paço da Camara Municipal, no proprio provincial que serve de cadêa.[3] Destacamento—COMMANDANTEJoão Caetano de Figueiredo.-Existem 7 praças.[4] Camara Municipal—VEREADORESArlindo Crescencio da Piedade, Maj.Luiz antonio Rodrigues.Firmino Silverio de Andrade.Marcello Gonçalves de Oliveira.Manoel Antonio de Andrade." " [Manoel] Garcia DuarteBernardino Antonio Pereira de Lima.—SecretarioVicente Finamore.—ProcuradorFrancisco Antonio da Silva.—FiscalLuiz Antonio Goulart.—PorteiroManoel Herculano Leite.—ArruadorJoão Aureliano de Lima[5] Instrucção publica—INSPECTOR LITTERARIOArlindo Crescencio Piedade, Maj.—ProfessorJoão Castanho de Almeida—ProfessoraClementina Etelvina de Almeida, D.—Professora particularAdriana de Oliveira, D.[6] Culto Publico—VIGARIOBartholomeu Comenale.—SachristãoLuiz Rodrigues.—Escrivão da varaVicente Finamore.[7] Collectoria—COLLECTORJoaquim Manoel de Andrade—EscrivãoManoel Luiz de Souza.[8] Correio—AGENTEJoão Bonifacio Figueira.—Horário- Chega nos dias, 5, 11, 17, 23 e 29, ao meio dia.- Parte nos dias, 4,10, 16, 22 e 28 ás 6 horas da manhã.[9] [Diversos]—AgrimensorJoão Aureliano de Lima.—CapitalistaJoaquim Manoel de Andrade.—CommerciantesArlindo Piedade.Antonio Victorino de Castro.Botelho & Irmão.Candido Rufino Chaves.Emygdio José da Piedade, Cel.Firmino Manoel Rodrigues.José Luiz de Andrade." Gomes de Oliveira.João Bonifacio Figueira." Evangelista da Silva." Evangelista de Lima.Luiz de Oliveira Martins." Antonio RodriguesMarcello Gonçalves de Oliveira.Além dos outros que estão estabelecidos fóra da area urbana.—FogueteirosJosé Pereira.Luiz Antonio da Costa Goulart.—Fazendeiros e lavradoresA excepção dos habitantes da povoação, todos os mais habitantes do Municipio occupam-se, uns em maior outros em menor escala, da factura de capinsaes para criação e engordo de gado vaccum, lanigero, e suino, e occupam-se tambem na cultura do milho e outros cereaes alimenticios.—MedicoSamuel Gemeta [Genuta], Dr.—Obras publicasIgreja Matriz.—OlariasJoão Machado.Salvador Gonçalves.Manoel Garcia de Oliveira.Raphael Silverio de Andrade.—SerrariasJoaquim Manoel de Andrade.Francisco Garcia de Oliveira.Bernardino Antonio P. [Pereira] de Lima.—SelleiroJosé Sebastião de Almeida.—SerralheiroAntonio Victoriano de Castro.-(Fonte: Almanach para a Província de São Paulo, 1887: 542-549, exercício referência 1886, publicação1887, transcrição incluída em blog aos 25 de junho de 2020).
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