1. Acontecimentos e consequências do conflito armado para o sertão
Em agosto de 1864 já a certeza do conflito sul-americano que culminaria na 'Guerra com o Paraguai', deflagrada aos 23 de dezembro do mesmo ano, quando em Santa Cruz prosperavam as grandes fazendas com produções de excedentes, comercializados com centros maiores, ou mais antigos, citados Botucatu e Faxina, por diferentes caminhos, além dos bairros rurais adjacentes e as povoações surgentes no sertão, entre os rios Tiete e Paranapanema, desde a descida da terra e até onde alcançasse a civilização, inclusive no vizinho norte pioneiro paranaense em formação.
A 'Guerra com o Paraguai', entre 1864/1870, fez aumentar desordenadamente o crescimento populacional no Vale Paranapanema, com as vindas de famílias sul mineiras, fugitivas do recrutamento militar compulsório para os campos de batalhas.
O autor Nogueira Cobra destacou que dentre os chegadores "muitos havia, pela idade, isentos do serviço militar e partiram, simplesmente, acompanhando filhos e netos" (1923: 44), e também afilhados, sobrinhos e mesmo futuros genros, elegendo o Vale Paranapanema por abrigo seguro.
O sertão não se movimentou de maneira ativa para participação nas frentes de combate; apenas, na sede do município e comarca de Lençóis Paulista, ainda Lençóes, que abrangia todo sertão, o coronel comandante superior Paulino Ayres d'Aguirre, ao pedir soldados à Guarda Nacional para os campos de batalhas ouviu, publicamente, do então tenente-coronel Francisco Dias Baptista que seus comandados não podiam atender os reclamos pátrios, pois "que elles e suas familias estavão em iminentes riscos de serem acometidos pelos indios, nossos verdadeiros Paraguayos, parte dos quaes são com effeito de nação Guarany que vierão para este sertão." (Diário de São Paulo, 26/10/1865: 2). Era o que se pensava na época.
Ao menos três pessoas na região santa-cruzense, lembradas pelas tradições, lutaram na guerra: o capitão Francisco Martins da Costa, como integrante das tropas que ocuparam a capital Assunção, em janeiro de 1869; certo capitão Barros falecido em combate, assim identificado em registro de óbito da viúva Margarida de Barros, falecida e sepultada em São Domingos, aos 10 de agosto de 1873 (Livro 1856/1884); e um membro da família Fonseca, sem documentos que possam identificá-lo comparte em algum combate.
Um quarto nome, oficialmente comprovado partícipe da guerra, foi o capitão do exército, Joaquim Compton D'Elboux, pelo 7º Batalhão dos Voluntários da Pátria (Della Rosa, 2011: 2).
Se morador em Santa Cruz do Rio Pardo ou São Pedro do Turvo, antes da Guerra, não se sabe, porém o mesmo D'Elboux, em 1873, respondia pelo cargo de subdelegado - 1º suplente de Santa Cruz (Almanach da Provincia de São Paulo, 1873: 448), classificado para São Pedro do Turvo, onde era dono de comércio.
Muito mais que as preocupações com a guerra, na época os principais de Santa Cruz ensejavam torna-la o 'Empório do Sertão Paranapanema' e lugar de ajustes, e, de fato o foi, no entanto, sem o crescimento populacional esperado, muito maior adiante de São Pedro do Turvo, a Capela São Pedro, mobilizada para elevar-se à condição de freguesia (ALESP, EE 72_15) e ter sob sua responsabilidade todo o agreste adiante.
2. Santa Cruz na rota do contrabando
Descendentes dos primeiros desbravadores diziam que
as vias de transportes que passavam por Santa Cruz favoreciam o contrabando,
até pela ausência de serviços do governo que pudessem atuar sobre as produções
sertanejas, e que a traficância teria sido mais intensa nos tempos da Guerra com o Paraguai.
O
assunto merece melhores considerações, porém, com rejeições tanto de falsas
alternativas quanto de negações de envolvimentos de determinada região nos
episódios.
Se o contrabando era praticado, ele precisava sair
das regiões menos fiscalizadas, o que exclui, relativamente, os portos oficiais
e os caminhos de intenso tráfego, enquanto o território de Santa Cruz do Rio
Pardo e o próprio núcleo urbano estava num apêndice da antiga estrada Peabiru,
que não subia a serra Botucatu e sim obliquava para o rio Paranapanema, e
daquela senda saía um ramal desde a região de Avaré rumo ao ribeirão Cafundó,
em atual município do Óleo, daí ao Salto Bonito, lugar conhecido [referência
2018] por Usina Velha, onde a transpor o Pardo e chegar à Capela Santa Cruz,
ou, seguir adiante, ultrapassar o Turvo e abordar o Paranapanema, margeando-o
por terra, até defronte o desague do Tibagi, ou dos outros abaixo tributários
paranaenses, de porte, para conduzir mercadorias rumo ao teatro da guerra.
O trecho descrito tornou-se conhecido como 'Caminho
por Dentro ou Caminho de Dentro', e, com adaptações necessárias, ainda ativo como trajeto
vicinal entre Santa Cruz do Rio Pardo e Avaré [referência 2018].
Sabe-se que neste caminho existiam diversas
ligações com povoados surgentes, e um dos caminhos, vindo de atual Timburi,
originado em Faxina [Itapeva], curso por Fartura e Piraju, tudo muito propício
para uma rota alternativa.
Nos tempos da guerra os mineiros vinham em massa
para o Sertão Paranapanema, fugindo do recrutamento compulsório e se sentiam
relativamente seguros, portanto, nada a obstar essa mesmo região acolhedora ser
o centro exportador ou de passagens de mercadorias contrabandeadas, vez que a
fiscalização seria quase impensada, ou, no mínimo, tolerada.
3. Melhorias para Santa Cruz - subdelegacia de distrito
Nos anos de 1860, os presos na região eram enviados para as cadeias de São Domingos, Lençóis Paulista ou, conforme periculosidade, Botucatu. Em Santa Cruz os detidos aguardavam transportes para uma daquelas localidades, amarrados junto a um tronco, que as tradições lembram numa praça, nas proximidades do chafariz, a atual 'Major Antonio Alóe'; no tronco também eram castigados os escravos.
A 'condução-prisão' era um carroção gradeado e puxado por bois, com históricos de alguns presos conduzidos a pé, amarrados, enquanto os condutores, armados, iam a cavalo ou, também, a pé, às vezes, até São Paulo (Correio Paulistano, 27/12/1893: 2).
O governo paulista reconhecia a precariedade da segurança pública no interior e as péssimas condições das cadeias:
"A de Botucatu é um quarto particular sem segurança, sendo necessário acorrentar os presos para evitar a fuga. Tenho conhecimento pessoal desta localidade, e posso informar com pleno conhecimento de causa. (...). Nas freguesias de S. Domingos, Lençóes (...) há pequenos quartos que servem de prisão." (RG, BN 998, 1860/1861: S 1-6).
No ano de 1867 criou-se a subdelegacia para Capela Santa Cruz, pela Secretaria da Polícia do Governo Provincial, documento nº 5.504, de 31 de dezembro de 1867 (RG, BN 1008, 1867/1868: A 15-9).
A despeito da distinção, ainda em 1868 os cargos estavam vagos, "por falta de informações a respeito de pessoal idoneo", todavia, a localidade inseria-se no 'Quadro de Divisão Policial da Província' (RG, AN 1009, 1868/1869: A 1-12), e, por referências históricas, em 1872 nomeadas 'autoridades policiais' os senhores Francisco de Paula Martins - subdelegado, e os suplentes Luiz Antonio Rodrigues, Manoel Garcia de Oliveira e Fortunato Rodrigues da Costa (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 542).
4. Do pós-guerra
Com o fim da guerra, oficializado em março de 1870, o Brasil estava enfraquecido financeiramente, necessitado de empréstimos caros no estrangeiro, endividado com a Inglaterra.
Internamente o país buscava alternativas, e foi nesse tempo que ocorreu o investimento do setor diamantífero na agropecuária, em grandes propriedades mineiras, tornando proibitivo o valor de suas terras disponíveis para aqueles de menor poder aquisitivo.
Muitas famílias mineiras venderam suas propriedades, a bons preços e partiram para o Vale Paranapanema, escolhendo os melhores e mais seguros lugares, elegida Santa Cruz como ótima opção.
Os fazendeiros regionais perceberam esta movimentação e, certos do progresso se transferiram para o lugar, e com eles vieram os comerciantes e autônomos. O rico fazendeiro Joaquim Manoel de Andrade trocou São Domingos [São João de São Domingos] por Santa Cruz, com a família, agregados e escravos, trabalhando em larga escala na extração e preparo da madeira - serraria, igualmente investindo forte na agropecuária e, especialmente, na criação de suínos.
O deputado provincial coronel Emygdio José da Piedade, fazendeiro e cartorário em Faxina, adquiridor de fazendas na região, dono de entreposto comercial e outros interesses em Santa Cruz, para onde se mudou com a família, como político influente trabalhando arduamente para aberturas de estradas, construções de pontes adiante do Pardo, e instalações de repartições públicas no povoado, ainda Capela Santa Cruz do Rio Pardo.
Com melhores estradas e pontes, para escoamento de produtos e mercadorias, incrementou-se a produção de excedentes e maiores investimentos nas pecuária e suinocultura, com reflexos econômicos no comércio interno, nas indústrias de ferragens, marcenarias e construções, atraindo moradores e promovendo a expansão urbana, cujo progresso também beneficiado pelo desbravamento paranaense, o norte pioneiro diviso, para se transformar no grande empório sertanejo.
Santa Cruz destacava-se pela condição centralizadora de extensa territorialidade.
